Literatura Brasileira
Eu não escreveria nada autobiográfico. Se você viveu uma vida como Laurence da Arábia, pode ser uma hipótese, mas, de outro modo, me parece um pouco vaidoso.
“Enfurnada”
Sou subtraída do profundo das águas calcárias e cristalinas de Furnas
Enfurnada entre montanhas Alinhadas de pés de café.
Lugar de cheiro doce
Da floragem cafeeira vestida de noiva do moka
Que se enfeitam de flores brancas e sementeiras vermelhas
Ano a ano Dia pós dias
Sou as sacas cheias da safra
Que despolpa líquida nas xícaras E cobre o paladar e os ares
Sou das minas verdes Sul de Minas Perfurmada Aromatizada
Cheiro de café Ser gerado
Das Minas Gerais
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury
Sintomas
Fonte a brotar linfas,
E seus cabelos soltos
Ao vento. – Guerreira.
Bravo o cacto a
Brotar no chão,
E vejo a sua beleza.
Aroma a exalar
Pelo ar, abuso de
Palavras é sinal
De amor. Apaixonado
Estava, rosa a face
Da amada,
Sinal de vergonha
Pode ser sintoma,
De querer…
Amarga vida
Jardim sem flores.
Amarga vida
Amor sem amores.
Amarga vida
Julieta sem Romeu.
Amarga vida
Ou amargo sou EU?
El Desdichado
Eu sou o Tenebroso, – o Viúvo, – o Inconsolado,
O Senhor de Aquitânia à Torre da abulia:
Meu único Astro é morto, o meu alaúde iriado
Irradia o Sol negro da Melancolia.
Na noite Sepulcral, Tu que me hás consolado,
O Posílipo e o mar Itálico me envia,
A flor que tanto amava o meu ser desolado,
E a treliça onde a Vinha à Roseira se alia.
Sou Biron, Lusignan?… Febo ou Amor? Na fronte
Ainda o beijo da Rainha rubro me incendeia;
Eu sonhei na Caverna onde nada a Sereia…
E duas vezes cruzei vencedor o Aqueronte:
Modulando na cítara a Orfeu consagrada
Os suspiros da Santa e os arquejos da Fada.
Versos Dourados
Céus! tudo é sensível
Pitágoras
Homem! livre pensador! serás o único que pensa
Neste mundo onde a vida cintila em cada ente?
De tuas forças tua liberdade dispõe naturalmente,
Mas teus conselhos todos o universo dispensa.
Honra na fera o espírito que fermenta…
Cada flor é uma alma em Natura nascente;
Um mistério de amor no metal reside dormente;
“Tudo é sensível!” E poderoso em teu ser se apresenta.
Receia, no muro cego, um olhar curioso:
À própria matéria encontra-se um verbo unido…
Não te sirvas dela para qualquer fim impiedoso!
Quase sempre no ser obscuro mora um Deus escondido.
E, como um olho novo coberto por suas pálpebras,
Um espírito puro medra sob a crosta das pedras!
Myrtho
Myrtho, divina, invoco a ti que encantos lanças,
Ao Pausílipo altivo em mil fogos luzente,
Em tua fronte imersa em brilhos do Oriente,
E uvas negras mescladas a esse ouro das tranças.
Também em tua taça eu bebi inconsciência,
E no clarão furtivo em teu olho ridente,
Enquanto aos pés de lacos vêm-me reverente,
Pois a Musa me fez como um filho da Grécia.
Sei porque lá adiante está o vulcão aberto…
Foi porque ontem tocaste-o com o pé intranquilo,
E de súbito em cinzas o horizonte incerto.
Desde que um duque destruiu deuses de argila,
Sempre, sob as ramagens, louros de Virgílio,
Uniu-se a hortênsia pálida à mirtácea verde!
Antêros
Perguntas-me por que no peito tal furor
Sobre o colo dobrado, o espírito indomado;
É porque pela raça de Anteu fui talhado,
Eu devolvo estes dardos ao deus vencedor.
Sim, sou um dos que inspiram esse Vingador,
Ele marcou-me a fronte com lábio irritado,
Na palidez de Abel, assim! ensanguentado,
Eu tenho de Cain o implacável rubor!
Jeová! último, vencido por tua mestria,
Do fundo dos infernos, grita: “Ó tirania!”
Será meu avô Belus ou meu pai Dagão…
Jogaram-me três vezes em água em Cocito,
E eu só a proteger a mãe Amalecita,
A seus pés planto os dentes do velho dragão.
Hórus
O deus Kneph tremendo abalava o universo:
Ísis, a mãe, então ergueu-se do seu leito,
Fez um gesto de ódio ao esposo contrafeito,
E ao verde olhar surgiu o antigo ardor imerso.
Disse ela: “Ei-lo que morre, este velho perverso,
Toda a geada do mundo em sua boca achou preito,
Amarrai seu pé torto, arriai o olho imperfeito,
Este é o deus dos vulcões e o rei do inverno adverso!
A águia passou, o novo espírito me impele,
Por ele eu me vesti com as roupas de Cibele…
É o bem-amado infante de Hermes e de Osíris!”
Fugira a deusa já em sua concha dourada,
O mar fazia rever sua imagem adorada,
E brilhavam os céus por sob o manto de Ísis.
No tempo de antigamente,
Imperava o machismo.
Mulher nem podia votar,
Então houve ativismo.
Mesmo com toda bravura,
Elas não perdem doçura,
Na luta do feminismo.
Cada palavra tinha sua magia. Eram como pinceladas pintando a paisagem da cidade, cada uma ajudando a construir uma imagem do todo.
Venho aqui pra te contar
Uma bonita história
Sobre dona Carmelita
E a sua trajetória.
Hoje, aniversariante,
E, por isso, nesse instante,
Faço essa dedicatória.
Nascida em Sirinhaém,
Vinte e sete era o ano.
Dizem que foi vinte e seis.
Registraram por engano?
Pedro e Brígida, seus pais,
Lhe deram lições morais,
No Estado pernambucano.
No tempo de pequenina,
Criança, pintava o sete.
Fugia para o açude,
Onde o sol brilha e reflete.
Com cinco seu pai morreu,
E, com a mãe, só conviveu,
Até fazer dezessete.
Muito jovem se mudou:
Garanhuns, o novo lar.
Despediu-se da sua mãe,
Foi preciso trabalhar.
Vivia com bom humor,
Até conhecer o amor,
E então foi se casar.
Cinco filhos ela teve,
Eu fui seu primeiro neto,
Me tratou com muito apreço,
Com zelo, amor e afeto.
Grande família manteve,
Sete netos ela teve
E ainda seis bisnetos.
Essa vovó é guerreira,
Nunca cansou de lutar,
E até risco de infarto
Coração foi enfrentar.
Hoje tá beirando os cem,
E nem todo mundo tem
Tanta história pra contar.
(Poesia dedicada aos 93 anos de Carmelita Bourbon de Albuquerque, completados em 7 de setembro de 2020).
Os escritores são pessoas que têm opiniões pensadas a propósito dos mais variados temas; podemos discordar do que dizem, mas é preciso reconhecer que exprimem geralmente considerações profundas sobre a escrita, o mundo e a vida.