Literatura Brasileira
Os livros de Atenas, Alexandria e Roma nunca estiveram completamente silenciosos. Ao longo dos séculos tiveram uma conversa sussurrada, um diálogo que fala de mitos e lendas, mas também de filosofia, ciência e direito. De alguma forma, talvez sem saber, fazemos parte dessa conversa.
Apenas quem já ousou escrever sabe o quão difícil é essa tarefa... As palavras, nossas amigas e constantes companheiras, às vezes, sem motivo, nos traem e deixam extremamente complicada a missão de expressarmos os tantos sentimentos que dividem espaço em nós.
Assim, com tempo nas mãos, munidos destas ideias absurdas, e com uma secreta descrença na literatura, continuei a procrastinar, a adiar e a beber, arranjando toda a espécie de justificações para evitar a incómoda tarefa de, finalmente, me sentar e começar a escrever.
Da Janela
Meu coração anda junto ao seu
Minha boca
Colada à sua
Meu corpo
Entrelaçado ao seu
Meu coração
Este descompasso
Mas neste
Compasso
Desta dança
Anda junto ao seu
Minha oração
Abraça teu
Coração
Abençoa nossa
Devoção
E meu coração
Anda junto
Ao teu
Meu coração
É meu
Teu coração
É teu
Mas meu coração
Anda junto
Ao seu
Somos dois
Em um só coração
O que é direito
E que é esquerdo
Meu coração
Anda junto
Ao seu
O leste
À esquerda
Meu coração abraça o seu coração.
minha oração
Suplicando perdão
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury
Oh, menina bela!
Onde é que eu me meti?
O destino enlouqueceu
Ou eu enlouqueci?
Por pensar que um caminho
Foi criado para mim
E para ti!
Assim que te vi,
Com certeza
Enlouqueci
Diria eu com grande paixão
O quão bela tu és
De vestes largas, invulgar
Qualquer ser é capaz
De t'amar...
Amor tão largo,
Que dói!
Não te poder falar
Chorar por t'amar
Dói
Assim que te vi,
Com certeza
Enlouqueci
Oh, menina bela!
Onde é que eu me meti?
Por ti, não por mim
Apunhalei um coração
Que doía por t'amar
Que chorava por te querer
Nos meus braços
Oh, doce mulher
O que fiz eu pra t'amar?
Amarga seja esta coita
Que só me faz chorar
Sonhar e Cair
Sonhei
e
Caí
No mundo imaginário
Sem razão
Sem julgamento
Sonhei
Caí
Em seus braços
Em seus abraços
Em seus beijos
Caí
Na decepção
Na sua aspereza
Na sua razão revoltada
Sobrevivi
Em sonhar
Em amar
E
Caí desesperadamente
Novamente
Em teus braços
Caí
E
Sonhei
Com você
Sobre nós
Só que
Agora
Na minha
Imaginação.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury
As Linhas
Disseram pra Vânia que as linhas das mãos guardavam e guiavam seu destino.
Estava tudo ali na palma das mãos, determinado, sacramentado, no desejo intransponível do destino.
Era só interpretar as linhas... tantas linhas...
para cima...
para baixo...
em retas...
em diagonal...
formando hexágono, que Deus havia carimbado em sua mão.
A mão, um deserto cor de rosa, riscado de linhas falantes, para que o caminhante não morresse de sede e descortinasse o futuro.
As respostas estavam nas linhas que riscavam a palma da mão, mostrando o caminho e iluminavam as suas decisões.
Buscava sempre nas linhas, destinos a serem realizados e sonhos que sonhava.
Era uma busca incansável de premonições, ir a adivinhos, sensitivos, para desvendar e achar os mais curtos caminhos nas linhas das mãos.
A busca se tornou a razão da vida de Vânia. Viajava, andava longe, por estradas esburacadas, em casas escuras cheirando a velas queimadas, acreditando na imaginação dos sensitivos às suas mais íntimas indagações.
Assim caminhante da Roda Viva, pelas leis do Karma, Vânia procurava o destino na magia e no mago, nos desdobramentos de suas forças, o julgamento de sua vida para alcançar o sol da eterna felicidade.
Ora diziam que havia um moço claro e Vânia jogava p’ro alto sua sorte, e fazia uma mudança radical em sua vida.
Sua vó alertava:
— A vida tem que ser uma oração.
Vânia subia até as estrelas em sua nova esperança e nesta aventura, aparecia um louco que só queria aventuras e incertezas.
Sua mãe dizia:
— As respostas estão em você, abrace sua fé.
Vânia por tempos aquietava a ilusão, mas, o seu medo pela vida, ressuscitava as incertezas.
Sua irmã exaltava:
— Encontre seu próprio rumo e confie em você mesma.
Vânia, já mais velha e madura desanimada na busca e sentido da vida desejava agora uma harmonia sobrenatural, a temperança e sua auto realização (o mundo).
Agora tinha certeza de que o mundo não guardara p'ra ela nenhum amante loiro nem moreno. Lia as cartas de previsões e se embaralhava nas linhas escritas. Até que um dia, Vânia de tanto reler as cartas, não saía mais do quarto e todo mundo pensava: "Deve estar lendo as linhas e previsões.”
O sol se aproximou da Terra, secou o orvalho da manhã e Vânia não apareceu para o almoço.
Bateram, bateram na porta do quarto...
...não houve resposta. Quando abriram encontraram Vânia enrolada como um novelo de linha.
Linha de tudo quanto era jeito:
linha de retroz
linha de bordar
linha de carretel
linha grossa
linha fina...
Vieram suas irmãs, Vera e Virgínia, correndo e não sabiam se chamavam um médico, o curandeiro ou o sensitivo.
Vânia estava enrolada e embaraçada nas linhas.
Foi um reboliço. Tinham que achar o fio da meada e desenrolar as linhas que amarravam Vânia.
E tinha que ser rápido. Deu uma trabalheira danada, dia e noite, Vera e Virgínia se revezavam para desenrolar as linhas que aprisionavam Vânia.
Precisava pressa, pois, ela já estava pálida, acinzentada, não falava, estava cabisbaixa, enquanto as irmãs desenrolavam linhas... e mais linhas...
Eram tantas linhas... linhas da vida agarradas à Vânia.
Passaram dias e noites. Vera e Virgínia se revezando.
- Venha rápido, pedia uma, vamos deitar Vânia, já está quase no fim do “enrosco”.
As duas pegaram com afinco a tarefa. Vânia ainda de pé rodopiando, para desenrolar o “enrolo”.
Quando acabaram, levaram um grande susto, só restava de Vânia as suas sapatilhas.
Aí, elas concluíram que Vânia também virara linha, tinha corrido tanto atrás das linhas, que se embaraçou, se perdeu, não escreveu nem uma linha da sua vida, que minguou, minguou até virar um
FIO DE LINHA!
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury
Monstras somos nós, extraordinárias, visto que a monstruosidade é corpo diferente em movimento, feito de solidão. A monstra é linda e canta uma canção. A letra é dela dessa vez.
Amor quebrado com força de poesia
O amor espatifou-se
Nas eiras da vida.
Marcas deixou
Nas calçadas,
Nos beijos,
Ventos e camas.
Rastejando
Conheci penhascos
De náufragos
Outrora errantes.
Arranquei lodos da terra,
Essência das flores,
Dei sabor de inverno à primavera,
Destrui nações,
Apalpei corpos voluptuosos,
Ladrei.
No mundo sub-mundo
De dó a si dissipei
Os espectros da liberdade.
Afogando no eco das tristezas,
Tive forças e ressuscitei.
Hoje sou árvore de raiz profunda,
Que bebe o leite da terra,
E me embriago de natureza.
Livro: Travessia de Gente Grande
Escritor: Ademir Hamú
Poder voltaraos livros era um santuário para o meu coração. E uma alegria se libertou, diminuindo minhas próprias queixas, perdoando a juventude perdida e os sonhos agonizantes perdidos para uma vida difícil.
QUINTAS
Dia Namorados
amor excelso:
Teófilo & Bárbara
narrado pelo
CELSO!
= =
grande, desgrande
amor libertário:
doce bem-estar
mal-estar amaro:
LITERÁRIO!
Se não sabes o que vês, não sabes o que ouves e não sabes o que sentes, jamais saberás o que escreves. Isto é literatura.
Hoje
Hoje o dia chora
Não há metáfora
Não chove
Há um vapor
Um suor
Um choro
Que exala dos poros
Há um transpirar
Escorrer
Que banha as lembranças
Há um recordar
De dois corpos suados
Pregados
Em meus pensamentos
Do que foi todo
Meu choro.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury
Vatapá do Cerrado
Um dia ele chegou e disse:
— Acabou! Não volto mais.
Saí da caixa das comodidades e perguntei:
— Por quê?
Ele disse:
— Não sei, falta... Tempero.
Saí depenada na partilha, minha única herança:
Um velho livro de receitas.
Mas havia um sentido ao acontecido:
Casa dividida
Filhos partindo
Amigos indecisos
Família desconfiada
E eu sozinha...
...e o pior, ser acusada de ser sem tempero!
Realmente, naquele lugar, não havia espaço para que eu pudesse descarnar minha alma e retemperar minha vida.
Passei pelo quarto de minha AVÓ, que disse:
— Tenha fé! Se tivesse pernas lhe acompanharia.
Parti.
De lembranças: mudas de alecrim, coentro, manjericão, ora-pro-nobis.
Talvez a outra fosse assim:
Com a boca besuntada de manteiga de cacau, escorrendo ignorância, pele cor de açafrão de tanto vadiar ao sol, cabelos negros como tinta de lula.
Mas...
Eu tinha as faces cor de pimenta rosa e um modo de fazer diferente.
Precisava remexer e fazer um VATAPÁ e mostrar a todos que o amanhã é outro dia.
Desossei uma galinha, desfiei sua carne e modifiquei meu "penteado".
Coloquei um quilo de camarão, imaginando que o mar é grande...
Deitei azeite de dendê em abundância para lustrar meu ego.
Despejei leite de coco, pensando que o vento no coqueiral, vira a qualquer hora.
Apertei os tomates maduros para que não sangrassem antes da hora.
Piquei e chorei junto às cebolas e acreditei que elas exorcizam o ambiente.
Com parcimônia no sal (à gosto) e acreditei em Deus e na criação.
Usei alho em lâminas para espantar a inveja
Salsas e cebolinhas trituradas para dizer que tenho tempero.
Abracei a azeitona para dar um toque aveludado à vida
Troquei... era hora... o amendoim dominado pela suavidade do baru do cerrado e acreditei no equilíbrio do sabor.
Retemperei e acreditei na receita, estava tudo pronto... mesa posta e farinha de mandioca para engrossar minha intuição.
Cansada, eu agora, precisava de um banho, de um mergulho. No quintal uma banheira jazia também abandonada.
Lustrei vida nova a ela. Forrei com alecrim para perfumar meu corpo.
Cerrei as vistas de curiosos, com lençóis, para que não criticassem minha nudez e filtrassem somente bons ventos;
Mergulhei!
E foi assim: era fim de outono, as folhas caíram na virada da tarde.
Pétalas coloridas inundaram a banheira e eu me senti importante com tantos confetes!
Na verdade, ele me perdeu, o tempo avisou que as folhas velhas cairiam, dando lugar às folhas verdejantes e elas inundaram a banheira. E eu cheirando a alecrim, engatei uma nova estação e pensei:
“Amor requentado
amigo reconciliado
nunca dão um bom-bocado”
Aceite e acredite na sua receita.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury
Quero em Verso para te Amar
Quero a última intenção
Um último beijo
Com todo desejo
Depois despejo
Quero amar aquele instante
Desarmar
Nossas almas
Quero intenções, intensidade
O procurar
De sua boca em minha
O resto daquele abraço
Quente
O resfriar do impossível
Quero você
Seus pelos
Meus apelos
Sem cobranças
Só quero
Nada mais
Só quero
O todo roubado
O que me foi retirado
O que se fez descortinar
Só quero você
Seu braço
Um abraço
Sua masculinidade
Concreta
Sua vontade em minha vontade
Quero você
Sua doença amanhecida em mim
Sua existência
Quero a última
Intenção
Quero ficar em você
Pregada
Carregada
Como páginas
Amassadas
E nunca
Esquecidas
Estrofe de um verso
Que nunca
Terminei
E só comecei com você
Verso que nunca pronunciei
Mas quero tudo de volta
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury