Liberdade Borboleta Fernando Pessoa
A Borboleta e a Chama
Uma borboleta multicor estava voando na escuridão da noite quando viu, ao longe, uma luz. Imediatamente voou naquela direção e ao se aproximar da chama pôs-se a rodeá-la, olhando-a maravilhada.
Como era bonita!
Não satisfeita em admirá-la, a borboleta resolveu fazer o mesmo que fazia com as flores perfumadas. Afastou-se e em seguida voou em direção à chama e passou rente a ela.
Viu-se subitamente caída, estonteada pela luz e muito surpresa por verificar que as pontas de suas asas estavam chamuscadas.
“Que aconteceu comigo?” – Pensou ela.
Mas não conseguiu entender. Era impossível crer que uma coisa tão bonita quanto a chama pudesse causar-lhe mal. E assim, depois de juntar um pouco de forças, sacudiu as asas e levantou vôo novamente.
Rodou em círculos e mais uma vez dirigiu-se para a chama, pretendendo pousar sobre ela. E imediatamente caiu, queimada, no óleo que alimentava a brilhante e pequenina chama.
- Maldita luz! – murmurou a borboleta agonizante – Pensei que ia encontrar em você a felicidade e em vez disso encontrei a morte. Arrependo-me desse tolo desejo, pois compreendi, tarde demais, para minha infelicidade, o quanto você é perigosa.
- Pobre borboleta! – respondeu a chama – Eu não sou o sol, como você tolamente pensou. Sou apenas uma luz. E aqueles que não conseguem aproximar-se de mim com cautela, são queimados.
Esta fábula é dedicada àqueles que, como a borboleta, são atraídos pelos prazeres mundanos, ignorando a verdade. Então, quando percebem o que perderam, já é tarde demais
A vida tem sua própria sabedoria. Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar o broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que têm que acontecer de dentro para fora.
Outono
É uma borboleta amarela? Ou uma folha que se desprendeu e que não quer tombar?
A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa.
Eu sinto ciúme quando alguém te abraça, porque por um segundo essa pessoa está segurando meu mundo inteiro.
Por isso eu acho que a gente se engana, às vezes. Aparece uma pessoa qualquer e então tu vai e inventa uma coisa que na realidade não é.
Há sempre uma pessoa na sua vida, a qual, não importa o que ela faça com você, você apenas não pode deixá-la ir.
Ando diferente, agindo diferente, pensando diferente. Não que não seja mais a mesma pessoa, não que deixe de fazer as mesmas coisas. É, talvez deixe, mas isso eu vejo depois. A diferença está na maneira de ver as coisas e de ver a mim mesma. A diferença é que agora não sei o que quero, ao contrário de antes. Quero fazer coisas que nunca fiz antes, só não sei bem que coisas são essas, ou sei, mas é complicado citar. Mudar faz parte do ciclo, não é mesmo? Só não sei até que ponto pode ser bom ou ruim, pra mim, pros outros. Não sei se é o certo, e no momento, nem estou querendo saber.
Por isso eu acho que a gente se engana as vezes. Aparece uma pessoa qualquer e então tu vai e inventa uma coisa que na realidade não é. E tu vai vivendo aquilo porque não aguenta o fato de estar sozinho.
Que importa àquele a quem já nada importa que um perca e outro vença .. se a aurora raia sempre .. se cada ano com a Primavera as folhas aparecem .. e com o Outono cessam? E o resto, as outras coisas que os humanos acrescentam à vida, que me aumentam na alma? Sim, sei bem que nunca serei alguém. Sei, enfim, que nunca saberei de mim. Sim, mas agora, enquanto dura esta hora, este luar, estes ramos, esta paz em que estamos .. deixem-me crer o que nunca poderei ser. Ser um é cadeia, ser eu é não ser. Viverei fugindo mas vivo a valer. O mistério do mundo, o íntimo, horroroso, desolado, verdadeiro mistério da existência, consiste em haver esse mistério. Quanto mais fundamente penso, mais profundamente me descompreendo. Só a inocência e a ignorância são felizes, mas não o sabem. São ou não? Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra, um lugar, nada mais. Quanto mais claro vejo em mim, mais escuro é o que vejo. Quanto mais compreendo menos me sinto compreendido.
Penso em ti e dentro de mim estou completa. (...) Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.
Descobri que a leitura é uma espécie de sonho escravizador, se devo sonhar porque não sonhar os meus próprios sonhos.
Minha pátria é a língua portuguesa.
Nota: Trecho do "Livro do Desassossego por Bernardo Soares" (heterônimo de Fernando Pessoa). Link
...MaisAcendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações...