Italo
"Xiuuuu... Silêncio !!!
Não responda, aja naturalmente... O tenebroso trovão nem sempre carrega tempestades !!! Ele só ganha mais força com o tamanho do teu medo... 🍃🙊⚡"
PAVOR
Os jabutis andarilhos corriam corriam. Baixava a cotovia, os lustres arranhavam a lua e o anu melindroso em porfia dilacerava o meu sentimento. Coração tum-tum, a caneta rejeitada, lábios caudalosos e tímidos escondiam os rastros das palavras não ditas. Eu tentei desbaratar as sesmarias usucapidas, tentei romper as possessões várias, o latifúndio de tua presença. Eis que sou errante, errante num verbo imperfeito.
Levantas, abres a porta, apagas a luz. Fico aqui! Fantasmas colados na aldraba. Os jabutis andarilhos corriam corriam. Meus cílios aposentaram. Jabutis jabutis oblíquos e dissimulados. Minhas pupilas se enterraram. Amargas a cotovia, vives anu: sois dia!
TENTATIVA
Eu te proponho um amor-aspirina. Amor que bate e não recorda, que acorda e não levanta, que passa e não deixa. Um amor-comprimido, que alivia a dor, que amarga na boca mas adoça o estômago, faz efeito. Eu te proponho, depois das aspirinas: a morte. Morrer em seus braços, decompor-me, como pilula na língua que dissolve.
DESCOBRIMENTO
(A João Cabral de Melo Neto)
Quando durmo, os ardores tropicais fazem-me chacoalhar na cama. Então, vejo o Cabral descobrir-me - o filho do Brasil. Ele vem, sorrateiramente e sonso como quem conduz - da proa - a primeira embarcação. E adentra nas áridas terras do meu peito de poeta, enfinca bússola no vazio-caatinga, dá-me sonhos de fogo, ladainhas, murmúrios e desvãos. Assim, comunica com os meus reis e musas além-continente, além sete-chaves, além-Luzidia: Península-Ibérica-Mais-Pra-Espanha-Sevilha. Depois de furar a pedra do sono, abre a porta com uma faca só lâmina. Vai-se embora, caminhos agrestes. Fico no desvario, a tecer o amanhã. João, é tu que me colonizas!
Apontava para as estrelas do céu como quem rogasse: por favor, uma verruga! E, num sinal de vacância cognitiva (ou não), sentia um desejo libertino de fugir do mundo num casco de uma tartaruga. Escrevia compulsivamente como quem escreve um testamento e deseja legar uma memória ao Amor. Não se aquietava enquanto dormia. Entre sonambulismos e desvarios era: ele mesmo, a moeda de uma face, o capim da caatinga. E, tampouco era tão pouco, por ironia semântica. Fez-se poeta, pela simples liberdade que há em poder versificar(se).
Um jovem escritor.
Minha vida é como uma imensa praia de muito areal e pouca maré. Preciso de água: as dislexias em semântica, passarinhos a miar nas sentinelas dos caranguejos, sóis a formar plebe em nome da lua. Dispo-me. Não tenho vergonha de me expor. Salve Drummond que compreendeu toda precisão do mundo: pessoas, cafés, livrarias. As notas estrugem como vulcões: música, versos, pelicanos e outras delicadezas tímidas do dia. Há em mim enxaquecas dos byronianos, a vontade de encontrar o que perdi (despretensiosamente), fichas de carrossel. E essa manhã que ainda não raiou... Volta?
LEMBRANÇA
A casa era branca como a lã branca. Nos fundos: o cachorro rottweiler, as mangueiras, carambolas, forno a lenha, varais, ruínas do cantinho deleitoso da finada Narda e o chiqueiro. Centro de Mucurici. Os coqueiros-imperiais a chilrear um canto melindroso acompanhados dos sinos de Fátima compunham as auras interioranas.As solidões de pores alaranjados já enterneciam o poeta da família. A casa era branca como a branca neve. Na varanda: verde-mato. Vértices e colunas prestes a desgarrar da construção. Vez em quando, sentíamos a noite. Branco-breu, sem fundos, sem varada, sem mato. Mas havia a cadeira de balanço e nela vovó sentava-se.
; é como se, diante disso tudo, eu visse (sozinho) a aguinha do córrego marejar debaixo de uma ponte velha. Lembro-me sempre daquele belo quadro da copa de minha avó a figurar pieguices de camponesas, pobres camponesas. O lustre não suportou tamanho calor: frangalhos. Onde ficou meus suores, meus pelos despetalados, os beiços cintilantes? Sei lá.
... só ficou a poesia. O restante na estante, o mar levou. Subverto sinais gráficos, afronto a língua, blasfemo as compilações e sintaxes. Deus habita nas ruas vazias de minha alma, naquele solzinho gostoso que, vez em quando, põe a vista barquinhos fagueiros.
? Onde está você. Pois seja cada linha dessas não-ditas nas entrelinhas: inevitável e inconscientemente: saudade:
SENTIMENTO DO NADA
Inspiração exige transpiração
Abba! Enojei-me nesta viagem
A musa abriu suas pernas, vi o Parnaso desmoronar dentro de seu
Útero. Fiz poesia sem ser poeta. Comi a musa
[Ou ela me comeu?
Pouco Importa!
Temos filhos agora:
Crise existencial de Sousa
Solidão da Silva Encarnada
Maria das Dores
Zé Pelintra Nosso de Cada Dia.
Por hora (sou) pouco importa: uma poeira descolada
O tempo fez-me Europa!
Por hora (fui) isto importa: uma gotícula no mar
A gaivota não tem misericórdia!
Modelaram-me num tipo humano
Faz graça
Estou imberbe: não fumo, não bebo, não mato.
Reproduzo o existir: como, defeco, amo.
Minhas amantes envelheceram
O cupim devorou minha biblioteca, devorou minha planta, minhas pupilas, minhas
Raízes. Viver além da conta
Há morte aqui
Há morte debaixo do meu travesseiro
Em minhas pupilas mulatas - há morte.
E eis que vivo: posto morto
Já não questiono o Universo
Sinto!
(Italo Samuel Wyatt, A Janela do Éden)
MEMÓRIA
Minha avó fazia café bem doce. Talvez, por uma necessidade de se procriar além dos filhos legítimos. Biscoitos na gordura, pão de queijo no forno, bolo de chocolate em cima da geladeira. O cenário aparentemente bucólico escondia guerra das mais matutas em orvalhos e outras fragrâncias. Cheirava a cozinha um cheiro forte do que se come. No quintal, cheiravam as flores um cheiro que se vislumbra. Alimentar dos produtos da casa vigorava a minha carne. Alimentar do beija-flor que tomava o néctar de hibiscos em diversos matizes alimentava a minha alma. O cachorro latia freneticamente. Eu não sabia que o bichinho também comia: a alegria das folhinhas em domingo. Ao pé da jabuticabeira, meu Drummond chorava todos os lirismos nascidos da terra caudalosa, terra de muitas veredas e rupturas. Minha mãe afagava meus cabelos, o pai e os tios viam futebol, a pequena irmã devorava porções de desenhos animados.
Não fosse eu poeta, esta prosa seria pólvora. Não fosse eu poeta, partículas cintilantes de minha vida perderiam na guerra dos tempos que não se curam: saudade.
POR CAUSA DE VOCÊ
solteiro
só inteiro
interior só
out só
s'outeiro
sol
soltei
roei
orei
ter sol
ir
iro
ei! ei! ei!
Musa-meu-mundo,
As fragatas de nossa baía frustraram os comércios e especiarias do além-Continente.
Frustraram em nódoas e marolas de uma Copacabana desnudada pelos ventos e coices de cavalos-marinhos. Frustraram os escafandristas que esperavam excrementos e outras drogas.
Talvez um batom.
Não se esqueça das maquiagens e dos perfumes.
Nosso divã e nossos porta-retratos.
Os Coqueiros de Itaparica cintilaram um luar mais fecundo, mais absinto, mudo.
Nossos sóis cansados, os frutos aos pés do pé, um poema em verbo transitivo direto na areia molhada. Meu bem, aquela ilha remota e ignota perdeu-se: mar findo.
Risque meu nome do mapa. Peço-lhe sem sabores. Sem ardores. Outrora, bem outrora, além dos advérbios temporais, por cima das larvas, por baixo do colchão: desejei-te alfa e ômega.
Perdestes a beleza. Perdestes o encanto.
Musa-meu-mundo,
já não sei se te amo.
Pois digo sem pensar, sem refrear, em caudalosos verbos-croniquetas:
Até longo,
à próxima primavera que não mais cantarei.
FOI UM ITAÚNAS QUE PASSOU EM MINHA VIDA
(Paródia do samba "Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida", Paulinho da Viola)
Roubou-me as forças e a enxada
Cuícas e prateleiras de mim
E toda matéria que outrora nadava na Prainha.
Roubou-me a infância e meu pai
Beijos de mamãe e água de cheiro da babá
Triturou na correnteza, esfarelou na cachoeira mansa e irregular
Meu espírito que submerge no escuro das águas claras
Encontra versos e prosas e narrativas e passados e futuros
Foi o Itaúnas que passou em minha vila
Foi o Itaúnas que afogou em minha vida
Suas mágoas... Fui banhar além do Itaúnas
Foi o Itaúnas que me conduziu pra longe de lá
Foi o Itaúnas que me conduziu pra Itaparica
A saudade não conseguiu desaguar
Pelo rio que passou em minha vida.
(A Janela do Éden, Italo Samuel Wyatt)
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