Inventar
Eu sempre gostei de disfarces. É o que a gente faz quando não sabemos quem somos, né? Se fantasia e inventa um novo passado pra esquecer o antigo.
Devemos buscar a verdade por sede de conhecimento mas jamais completarmos com ficção, quando se deparar com a falta de novas informações.
Bom dia, uma colorida manhã, agradeço a Deus da Vida por mais um dia para eu colorir e reinventar meu universo com todas as cores.
De como me inventei
Passei meus dias em meio às coisas miúdas.
Aprendi com as borboletas a carregar nas costas o mundo,
e com os pingos da chuva, a fazer serenata no chão.
A torneira aberta dos céus
jorrava horas inteiras de poesia,
e eu, menino sem bicicleta,
inventava que as palavras tinham rodas.
Brincava de crescer pelos olhos,
onde cabia o universo e um pé de grama.
Ensinava o absurdo a se acomodar no meu quintal:
uma pedra virava amiga,
uma nuvem, brincadeira de adivinhar.
Enaltecer os ordinários era meu jeito
de me desconhecer um pouco por dia.
As frustrações, eu punha no varal.
Torcia minhas tristezas até o último soluço
e pedia ao sol que secasse tudo antes da próxima chuva.
Porque a chuva sempre volta,
mas as tristezas, se bem secas, viram outra coisa:
lençol para embalar sonhos
ou sombra fresca para esquecer o calor.
Assim fui me criando,
com as faltas vestidas de beleza
e com os vazios repletos de poesia.
Nunca esperei o fim chegar,
porque quem vive de esperar
não interage com o presente,
nem cresce pelos olhos.
Escolhi viver assim:
de mãos dadas com o invisível,
sendo mais do que sou.
Ou sendo menos.
Afinal, quem precisa de muito
quando tem o céu inteiro dentro de si?
MANIA DE EXPLICAÇÃO
Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.
Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra.
Ela achava o mundo do lado de fora um pouquinho complicado.
Se cada um simplificasse as coisas, o mundo podia ser mais fácil, ela pensava.
Então tentava simplificar o mundo dentro da sua cabeça.
Simplificar é quando em vez de pensar em 4/8 a pessoa pensa logo em 1/2.
Um meio, quando é escrito em números sempre quer dizer "metade", mas quando é escrito em letras pode também querer dizer "um jeito".
Existem vários jeitos de entender o mundo.
Ela tentava explicar de um jeito que o mundo ficasse mais bonito.
Essa menina pensa que é filósofa, as pessoas falavam.
Filósofo é quem, em vez de ver televisão, prefere ficar pensando pensamentos.
De tanto que a menina explicava, as pessoas às vezes se irritavam,
irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio do seu peito,
reclamavam, e iam embora, deixando a menina lá, explicando, sozinha.
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, o seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo", é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro da sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio sossego.
Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair do seu pensamento.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Cismar é quando o desejo quer aquilo apesar de tudo.
Apesar é uma dificuldade que não é grande o suficiente.
Dificuldade é a parte que vem antes do sucesso.
Sucesso é quando você faz o que sabe fazer só que todo mundo percebe.
Antes é uma lagarta que ainda não virou borboleta.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando o seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Vaidade é um espelho em todos os lugares ao mesmo tempo.
Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta o seu coração.
Alegria é um bloco de carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o natal acontece em maio, por exemplo.
Exemplo é quando a explicação não vai direto ao assunto.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Beijo é um carimbo que serve pra mostrar que a gente gosta daquilo.
Gostar é quando acontece uma festa de aniversário no seu peito.
Amor é um gostar que não diminui de um aniversário pro outro. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.
Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é,
Sem inventar um personagem para a relação,
Pois personagem nenhum se sustenta muito tempo.
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