Indiretas de amor: demonstre interesse com sutileza 😉

Seu coração disse pra sua cabeça, vå, e sua cabeça disse pra sua coragem, vou, e sua coragem respondeu, vou nada, mas sua boca não ouviu e beijou.

Adriana FalcĂŁo

Nota: Trecho do Livro 'A MĂĄquina'

Uma das coisas mais belas da vida é olhar para o céu, contemplar uma estrela e imaginar que muito distante existe alguém olhando para o mesmo céu, contemplando a mesma estrela e murmurando baixinho: "Que Saudade".

Tentei lhe dizer muitas coisas, mais acabei descobrindo que amar Ă© muito mais sentir do que dizer. E milhĂ”es de frases bonitas, jamais alcançariam o que eu sinto por vocĂȘ.

O jeito deles

O que Ă© que faz a gente se apaixonar por alguĂ©m? MistĂ©rio misterioso. NĂŁo Ă© sĂł porque ele Ă© esportista, nĂŁo Ă© sĂł porque ela Ă© linda, pois hĂĄ esportistas sem cĂ©rebro e lindas idem, e vocĂȘ, que tem um, nĂŁo vai querer saber de descerebrados. Mas tambĂ©m nĂŁo basta ser inteligente, por mais que a inteligĂȘncia esteja bem cotada no mercado. Tem que ser inteligente e... algo mais. O que Ă© este algo mais? MistĂ©rio decifrado: Ă© o jeito.

A gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita CamÔes, não é porque ela tem olhos azuis: é o jeito dele de dizer versos em voz alta como se ele mesmo os tivesse escrito pra nós; é o jeito dela de piscar demorado seus lindos olhos azuis, como se estivesse em cùmera lenta.

O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vå tentar explicar isso.

Pelo meu primeiro namorado, me apaixonei porque ele tinha um jeito de estar nas festas parecendo que nĂŁo estava, era como se sĂł eu o estivesse enxergando. O segundo namorado me fisgou porque tinha um jeito de morder palitos de fĂłsforo que me deixava louca – ok, pode rir. Ele era um cara sofisticado, e por isso mesmo eu vibrava quando baixava nele um caminhoneiro. O terceiro namorado tinha um jeito de olhar que parecia que despia a gente: nĂŁo as roupas da gente, mas a alma da gente. Logo vi que eu jamais conseguiria esconder algum segredo dele, era como se ele me conhecesse antes mesmo de eu nascer. Por precaução, resolvi casar com o sujeito e mantĂȘ-lo por perto.

E teve aqueles que nĂŁo viraram namorados tambĂ©m por causa do jeito: do jeito vulgar de falar, do jeito de rir – sempre alto demais e por coisas totalmente sem graça –, do jeito rude de tratar os garçons, do jeito mauricinho de se vestir: nunca um desleixo, sempre engomado e perfumado, atĂ© na beira da praia. Nenhum defeito nisso. Pode atĂ© ser que eu tenha perdido os caras mais sensacionais do universo.

Mas o cara mais sensacional do universo e a mulher mais fantĂĄstica do planeta nunca irĂŁo conquistar vocĂȘ, a nĂŁo ser que tenham um jeito de ser que vocĂȘ nĂŁo consiga explicar. Porque esses jeitos que nos encantam nĂŁo se explicam mesmo.

Martha Medeiros
CrĂŽnica "O jeito deles", 2004.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas GĂȘmeas, a 15 de março de 2004.

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Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas nĂŁo penso nele
Porque pensar Ă© nĂŁo compreender...

O Mundo nĂŁo se fez para pensarmos nele
(Pensar Ă© estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu nĂŁo tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza nĂŁo Ă© porque saiba o que ela Ă©,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que Ă© amar...

Fernando Pessoa

Nota: Trecho de "O Guardador de Rebanhos", do livro "Poemas de Alberto Caeiro", de Fernando Pessoa (heterĂŽnimo Alberto Caeiro).

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É muito difícil fazer sua cabeça e
seu coração trabalharem juntos.
No meu caso, eles nĂŁo sĂŁo nem amigos.
(Crimes e Pecados)

Dos ficantes aos namoridos

Se vocĂȘ Ă© deste sĂ©culo, jĂĄ sabe que hĂĄ duas tribos que definem o que Ă© um relacionamento moderno.

Uma Ă© a tribo dos ficantes. O ficante Ă© o cara que te namora por duas horas numa festa, se nĂŁo tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa Ășnica noite”, quando entĂŁo ele serĂĄ seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irĂĄ Ă  procura de outra para bater o prĂłprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma histĂłria, um romance, uma ficada, duas ficadas, trĂȘs ficadas, quatro ficadas... Esquece, nĂŁo acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdĂ­cio de energia.

Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente estĂĄ falando de quĂȘ, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um tĂĄxi, uma gripe. NĂŁo pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegueeuse, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.

Pegar, cĂĄ pra nĂłs, Ă© um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderĂ­amos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada Ă© assim tĂŁo frio, na maioria das vezes esse “nĂŁo estou nem aí” Ă© jogo de cena. VĂŁo todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.

No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulĂĄrio? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia Ă© a dos namoridos, a palavra mais medonha que jĂĄ inventaram. Trata-se de um homem hĂ­brido, transgĂȘnico.

Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava.

Pois então. A ideia é boa e pråtica. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que hå.

Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importñncia de uma celebração.

Namoro Ă© quando nĂŁo se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo Ă© revelado, brotam informaçÔes novas de onde menos se espera. De manhĂŁ, um silĂȘncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.

Namoro Ă© teste, Ă© amostra, Ă© ensaio, e por isso a dedicação Ă© intensa, a sedução Ă© ininterrupta, os minutos sĂŁo contados, os meses sĂŁo comemorados, a vontade de surpreender nĂŁo cessa — e Ă© a Ășnica relação que dĂĄ o devido espaço para a saudade, que Ă© fermento e afrodisĂ­aco. Depois de passar os dias se vendo sĂł de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o cĂ©u na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tĂŁo aguardada, nunca uma segunda-feira Ă© enfrentada com tanta leveza.

Namoro Ă© como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, nĂŁo hĂĄ nada mais novo e revolucionĂĄrio. O poeta Carlos Drummond de Andrade tambĂ©m Ă© de outro tempo e Ă© para sempre. É ele quem encerra esta crĂŽnica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparĂȘncia. De ser o seu cadĂĄver itinerante".

Martha Medeiros

Nota: Autoria nĂŁo confirmada

À distñncia

HĂĄ quem por ti de longe vela,
Deseja te ver sempre brilhar,
Oferece-te carinho e zela
Por tua felicidade e bem-estar.

Alguém com palavras pincela
O quanto encanta o teu olhar,
CompÔe versificada aquarela,
Almeja admiração demonstrar.

Tanta dedicação assim revela
Ser pouco importante o lugar,
Se uma paixĂŁo existe e Ă© bela
Até a distùncia poderå superar.

A vida requer cuidado. Os amores também. Flores e espinhos são belezas que se dão juntas. Não queira uma só, elas não sabem viver sozinhas

Quem quiser levar a rosa para sua vida, terĂĄ de saber que com elas vĂŁo inĂșmeros espinhos. NĂŁo se preocupe, a beleza da rosa vale o incĂŽmodo dos espinhos


A compaixĂŁo pelos animais estĂĄ intimamente ligada a bondade de carĂĄter, e quem Ă© cruel com os animais nĂŁo pode ser um bom homem.

Arthur Schopenhauer
SCHOPENHAEUR, A., Sobre o Fundamento da Moral

NĂŁo acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.
Às vezes vocĂȘ nĂŁo consegue nem dar cem por cento de vocĂȘ para vocĂȘ mesmo, como cobrar cem por cento do outro? Existe gente que precisa da ausĂȘncia para querer a presença. O ser humano nĂŁo Ă© absoluto. Ele titubeia, tem dĂșvidas e medos, mas se a pessoa realmente gostar, ela volta.
Nada de drama.

Arnaldo Jabor

Nota: Trecho do texto "Relacionamentos".

Na minha memĂłria - tĂŁo congestionada - e no meu coração - tĂŁo cheio de marcas e poços - vocĂȘ ocupa um dos lugares mais bonitos.

Caio Fernando Abreu

Nota: Trecho de carta retirada do livro "O que importa em Oracy", organizado por FĂĄtima Friedriczewski,

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Preciso Dizer que te Amo

Quando a gente conversa
Contando casos, besteiras
Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos
E eu nĂŁo sei que hora dizer
Me dĂĄ um medo, que medo

Eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
E eu preciso dizer que eu te amo
Tanto

E até o tempo passa arrastado
SĂł pra eu ficar do teu lado
VocĂȘ me chora dores de outro amor
Se abre e acaba comigo
E nessa novela eu nĂŁo quero
Ser teu amigo

É que eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo, tanto

Eu jĂĄ nem sei se eu tĂŽ misturando
Eu perco o sono
Lembrando cada riso teu
Qualquer bandeira
Fechando e abrindo a geladeira
A noite inteira

Eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo, tanto

Cazuza

Nota: (Composição: Dé, Bebel Gilberto, Cazuza)

A garota mais bonita que eu conheço

A garota mais bonita que eu conheço
nĂŁo Ă© nenhuma miss, nem engata tantos olhares quando passa por aĂ­
A garota mais bonita que eu conheço
nem acha que Ă© bonita.
Acha graça e não acredita
quando eu a digo assim.
A garota mais bonita que eu conheço
nĂŁo faz nada para parecer bonita.
NĂŁo faz boa maquiagem,
nĂŁo usa joias ou roupas da moda,
nĂŁo vai para academia nem tem belo manequim.
A garota mais bonita que eu conheço simplesmente sorri,
e, quando sorri, ela Ă© a garota mais linda do mundo!

Seja qual for o relacionamento que vocĂȘ atraiu para dentro de sua vida, numa determinada Ă©poca, ele foi aquilo de que vocĂȘ precisava naquele momento.

Esse teu olhar
Quando encontra o meu
Fala de umas coisas que eu nĂŁo posso acreditar...
Doce Ă© sonhar, Ă© pensar que vocĂȘ,
Gosta de mim, como eu de vocĂȘ...
Mas a ilusĂŁo,
Quando se desfaz,
Dói no coração de quem sonhou,
Sonhou demais...
Ah, se eu pudesse entender,
O que dizem os seus olhos.

Tom Jobim

Nota: Letra da mĂșsica "Este Seu Olhar"

Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tĂŁo importante.

Talvez seja tĂŁo simples, tolo e natural que vocĂȘ nunca tenha parado para pensar: aprenda a fazer bonito o seu amor. Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito. Aprenda, apenas, a tĂŁo difĂ­cil arte de amar bonito. Gostar Ă© tĂŁo fĂĄcil que ninguĂ©m aceita aprender.

Tenho visto muito amor por aí, amores mesmo, bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dådiva, mas esbarram na dificuldade de se tornar bonito. Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção. Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.

Aí esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais de repente se percebeu ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem; rotinizam; descuidam; reclamam; deixam de compreender; necessitam mais do que oferecem; precisam mais do que atendem; enchem-se de razÔes. Sim, de razÔes. Ter razão é o maior perigo no amor.
Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que estå sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira. Ter razão é um perigo: em geral enfeia o amor, pois é invocado com justiça mas na hora errada. Amar bonito é saber a hora de ter razão.

Ponha a mĂŁo na consciĂȘncia. VocĂȘ tem certeza que estĂĄ fazendo o seu amor bonito?
De que estĂĄ tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro, a maior beleza possĂ­vel? Talvez nĂŁo. Cheio ou cheia de razĂ”es, vocĂȘ espera do amor apenas aquilo que Ă© exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando ele pode trazer.
Quem espera mais do que isso sofre, e sofrendo deixa de amar bonito. Sofrendo, deixa de ser alegre, igual criança. E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.

NĂŁo tema o romantismo. Derrube as cercas da opiniĂŁo alheia. Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem vocĂȘ ama. Saia cantando e olhe alegre.
Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; nĂŁo se cansar de olhar, e olhar; nĂŁo atrapalhar a convivĂȘncia com teorizaçÔes; adiar sempre, se possĂ­vel com beijos, “aquela conversa importante que precisamos ter”, arquivar se possĂ­vel, as reclamaçÔes pela pouca atenção recebida. Para quem ama toda atenção Ă© sempre pouca. Quem ama feio nĂŁo sabe que pouca atenção pode ser toda atenção possĂ­vel. Quem ama bonito nĂŁo gasta o tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter.

Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como criança de nariz encostado na vitrine, cheia de brinquedos dos nossos sonhos): não teorize sobre o amor, ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.

NĂŁo tenha medo exatamente de tudo o que vocĂȘ teme, como: a sinceridade; nĂŁo dar certo; depois vir a sofrer (sofrerĂĄ de qualquer jeito); abrir o coração; contar a verdade do tamanho do amor que sente.
Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (nĂŁo Ă© sĂĄbio ser sabido): seja apenas vocĂȘ no auge de sua emoção e carĂȘncia, exatamente aquele vocĂȘ que a vida impede de ser. Seja vocĂȘ cantando desafinado, mas todas as manhĂŁs. Falando besteiras, mas criando sempre. Gaguejando flores. Sentindo o coração bater como no tempo
do Natal infantil. Revivendo os carinhos que instruiu em criança. Sem medo de dizer, eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.

Talvez aĂ­ vocĂȘ consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor, ou bonitar fazendo seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito (a ordem das frases nĂŁo altera o produto), sempre que ele seja a mais verdadeira expressĂŁo de tudo o que vocĂȘ Ă© e nunca, deixaram, conseguiu, soube, pĂŽde, foi possĂ­vel, ser.

Se o amor existe, seu conteĂșdo jĂĄ Ă© manifesto. NĂŁo se preocupe mais com ele e suas definiçÔes. Cuide agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho. Cuide de vocĂȘ. Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e sĂł assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.

DesconstruçÔes

Quando a gente conhece uma pessoa, construĂ­mos uma imagem dela. Esta imagem tem a ver com o que ela Ă© de verdade, tem a ver com as nossas expectativas e tem muito a ver com o que ela "vende" de si mesma. É pelo resultado disso tudo que nos apaixonamos. Se esta pessoa for bem parecida com a imagem que projetou em nĂłs, desfazer-se deste amor, mais tarde, nĂŁo serĂĄ tĂŁo penoso. RestarĂĄ a saudade, talvez uma pequena mĂĄgoa, mas nada que resista por muito tempo. No final, sobreviverĂŁo as boas lembranças. Mas se esta pessoa "inventou" um personagem e vocĂȘ caiu na arapuca, aĂ­, somado Ă  dor da separação, virĂĄ um processo mais lento e sofrido: a de desconstrução daquela pessoa que vocĂȘ achou que era real.

Desconstruindo FlĂĄvia, desconstruindo Gilson, desconstruindo Marcelo. Milhares de pessoas estĂŁo vivendo seus dias aparentemente numa boa, mas por dentro estĂŁo desconstruindo ilusĂ”es, tudo porque se apaixonaram por uma fraude, nĂŁo por alguĂ©m autĂȘntico. Ok, Ă© natural que, numa aproximação, a gente "venda" mais nossas qualidades que defeitos. NinguĂ©m vai iniciar uma histĂłria dizendo: muito prazer, eu sou arrogante, preguiçoso e cleptomanĂ­aco. Nada disso, Ă© a hora de fazer charme. Mas isso Ă© no começo. Uma vez o romance engatado, aĂ­ as defesas sĂŁo postas de lado e a gente mostra quem realmente Ă©, nossas gracinhas e nossas imperfeiçÔes. Isso se formos honestos. Os desonestos do amor sĂŁo aqueles que fabricam idĂ©ias e atitudes, atĂ© que um dia cansam da brincadeira, deixam cair a mĂĄscara e o outro fica ali, atĂŽnito.

Quem se apaixonou por um falsĂĄrio, tem que desconstruĂ­-lo para se desapaixonar. É um sufoco. Exige que vocĂȘ reconheça que foi seduzido por uma fantasia, que vocĂȘ Ă© capaz de se deixar confundir, que o seu desejo de amar Ă© mais forte do que sua astĂșcia. Significa encarar que alguĂ©m por quem vocĂȘ dedicou um sentimento nobre e verdadeiro nĂŁo chegou a existir, tudo nĂŁo passou de uma representação – e olha, talvez atĂ© nĂŁo tenha sido por mal, pode ser que esta pessoa nem conheça a si mesma, por isso ela se inventa.

A gente resiste muito a aceitar que alguém que amamos não é, e nem nunca foi, especial. Que sorte quando a gente sabe com quem estå lidando: mesmo que venha a desamå-lo um dia, tudo o que foi construído se manterå de pé.

Martha Medeiros
CrÎnica "DescontruçÔes", 2003.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas GĂȘmeas, a 3 de novembro de 2003.

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Eu passo quieta por vocĂȘ, vocĂȘ passa quieto por mim, e eu ainda escuto o barulho que a gente faz.