A necessidade faz-nos habituar a estranhos companheiros de leito.
A vida é enfadonha como uma história contada duas vezes.
Com o engodo de uma mentira, pesca-se uma carpa de verdade.
O mundo está desarticulado.
A arte é o espelho e a crónica da sua época.
Contrabalançar promessas com promessas é estar pesando o nada.
A esperança de gozar cede apenas em prazer à esperança realizada.
Está bem pago quem está satisfeito.
A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum.
Não é merecedor do favo de mel aquele que evita a colméia porque as abelhas têm ferrões.
Temo a tua natureza; ela está demasiado cheia do leite da ternura humana para que seja capaz de seguir o caminho mais curto.
Não há vício tão simples que não afivele a aparência de virtude.
A miséria habitua o homem a estranhos companheiros de cama.
Escalar colinas difíceis requer um ritmo lento no início.
São tão doentes aqueles que se saciam demais, como aqueles que passam fome.
Com o passar do tempo, nós odiamos aquilo que frequentemente tememos.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações...
Fernando Pessoa
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), in "Poesias". 15-1-1928.
Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.
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