Frases de Miguel Torga
Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.
Só havia três coisas sagradas na vida: a infância, o amor e a doença. Tudo se podia atraiçoar no mundo, menos uma criança, o ser que nos ama e um enfermo. Em todos esses casos a pessoa está indefesa.
Mais um ano. Mais um palmo a separar-me dos outros, já que a vida não passa de um progressivo distanciamento de tudo e de todos, que a morte remata.
A vida afectiva é a única que vale a pena. A outra apenas serve para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo.
A maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar pela literatura, em vez de começar pela vida.
Agora,
o remédio é partir discretamente,
sem palavras,
sem lágrimas,
sem gestos.
De que servem lamentos e protestos,
contra o destino?
Não perturbes a paz que me foi dada. Ouvir de novo a tua voz seria matar a sede com água salgada.
É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão.
Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados.
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra nos cobrir!
O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura. E que a doçura que não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura e muito mais nova.
Tantas formas revestes, e nenhuma
Me satisfaz!
Vens às vezes no amor, e quase te acredito.
Mas todo o amor é um grito
Desesperado
Que apenas ouve o eco...
Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
(...) Que o fazem capaz em todo o mundo, mas incapaz no seu mundo. Daí não ter possivelmente grandes coisas para exprimir, a não ser o lirismo de ser assim.
(...) que não encontra justificação para o seu pecado mortal, que é viver. Viver ao sol, gratuitamente, como um lagarto.
Vento que passas, leva-me contigo.
Sou poeira também, folha de outono.
Rês tresmalhada que não quer abrigo
No calor do redil de nenhum dono.
Leva-me, e livre deixa-me cair
No deserto de todas as lembranças,
Onde eu possa dormir
Como no limbo dormem as crianças.
Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.
Saboreio este dia,
Fruto roubado no pomar do tempo.
Sabe-me a novidade,
Deixa-me os lábios doces.
Tem a polpa de sol, e dentro dele
Calmas sementes de outro sol futuro.
Cheira a terra lavrada e a maresia.
E tão livre e maduro,
Que quando o apanhei já ele caía.
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