O dar de mãos Caminhei arfante sobre... Bruna Barbosa

O dar de mãos


Caminhei arfante sobre uma floresta de pensamentos ponte-agudos, com flores medonhas, com uma vegetação pouco admirável, ao encontro do sublime dar de mãos, queria gritar mas não tinha voz. Continuei no vazio do belo sol, quando me encontrei com um rio congelado - mas como no meio de uma floresta sem nenhuma amostra de frio? - perguntou a voz da minha consciência. - Sem me importar com o rio de águas de gelo, continuei a andar, em passos largos. Caminhei, com o suor que me escorria a pele, com o fraquejar do meu pulmão, que desde sempre, nunca funcionou tão bem, mas naquele dia me sentia pior, me sentia exausto. Prossegui, tentando disfarçar a dor e o cansaço que insistiam em se alojar sobre mim. Foi quando de repente avistei uma moça, tinha os cabelos em longos cachos, sua pele era alva. - O que estaria fazendo ali? estaria perdida também? - Não, me parecia que ela estava até bastante serena e climatizada. Foi quando perguntei por onde deveria seguir para que pudesse chegar a cidade mais próxima, ela, sem sequer me olhar diretamente, respondeu que eu deveria seguir em frente.
Concordei, e continuei ao meu bater de pés, descalço, os espinhos se entrelaçavam sobre meus calcanhares, que agora eram carne viva… Mais meia hora de caminhada até que ouvi de um pequeno tronco caído uma voz chamar, era uma senhora, desarrumada, com um cheiro não tão agradável, seus pés estavam descalços e seus cabelos eram uma bagunça terrível. Me perguntei se em meio a floresta havia também mendigos, como na cidade grande em que vivia. Largando o pensamento de lado, resolvi não dar ouvidos, não estava com disponibilidade naquele momento para loucos, afinal, não tinha tempo para aquilo, queria saber como havia chegado ali, melhor, queria saber onde era a saída desse labirinto que eu estava vivendo. Foi quando a voz baixa porém firme da senhora dos cabelos de bagunça soou: Volte todo o percurso. -Como se não bastasse estar andando horas, ainda tenho que aguentar certos tipos de comentários.- Resmunguei- Prossegui, horas a fio até que a tarde estava enfim, se despedindo do céu. Cansado, as mínguas, sentei em uma pedra e me pus em desespero. O que mais poderia fazer?
Avistei vindo no horizonte a velha senhora. Por fim, ela foi tomando menos distancia de mim, e então se pôs de pé ao meu lado.
- Volte o percurso - Repetiu a senhora, que tinha os dentes muito brancos, com o aspecto de cristais, e sua expressão facial, agora vista de perto, parecia dez anos mais jovem do que a que vi pela primeira vez.
- Mas o que? a senhora está doida? Como posso voltar atrás?
- Da mesma maneira em que pode caminhar pra frente e se perder, pode voltar atrás e concertar o erro. Se reencontrar, para que enfim, possa seguir.
- Que erro, minha senhora?
- Nenhum que eu possa corrigir por você.
- Ah, poupe-me, a senhora é doida. - Respondi, indignado.
- Loucos são os que não enxergam.
- Os cegos?
- Os cegos de alma. Os cegos de percepção.
- Minha senhora, estou perdendo tempo, preciso encontrar o caminho de casa. A senhora pode me ajudar?
- Já disse, volte, confie.
Baixei a cabeça e suspirei, quando retomei o olhar, a senhora havia desaparecido. Por medo, loucura ou sabe-se lá o que, refiz todo o caminho em que havia percorrido… minha respiração estava ofegante e eu já não sentia minhas pernas. Anoiteceu e eu temi pela minha vida, e por todos os momentos que eu havia desperdiçado em tanto tempo… como queria refazer tudo de novo. Estava sozinho, e perdido… em um lugar onde jamais tinha pisado. Sem mais forças, deitei na mata verde oliva e chorei, chorei por todas as vezes que havia desistido e todas os amores que eu havia deixado de plantar. A escuridão se alastrou e eu baixei minha cabeça sobre meus joelhos e me pus a pensar. Repentinamente, percebi que em todas as vezes que me vi perdido em meio a vida, quis desistir. Ergui a cabeça, decidido a continuar o caminho de volta pra todos os erros que eu havia cometido e precisava concertar. Foi então que redescobri a floresta que estava agora, cheia de vida, com flores de um perfume espetacular, o sol raiava outra vez e minhas pernas e pulmões já não doíam mais. Levantei-me rapidamente e olhei em volta, continuei a viagem de volta… quando de repente, reavistei o rio que dessa vez não estava congelado. Pelo contrário, suas águas eram límpidas, recheado de mistérios que eu deseja descobrir, baixei as mãos sobre o rio e bebi a água da vida, sentia cada vez mais vontade de sobreviver a terrível perdição. Ao longe, avistei uma canoa vindo em minha direção, guiada por uma jovem muito bela, de sorriso aberto. A canoa se achegou…
- Venha - E foi então que de súbito reconheci a voz e a face. Era a senhora que havia me ajudado. Me sentia louco, mas me sentia vivo. Desta vez, a obedeci sem questionar. Sentei-me na canoa e me pus a remar para o outro lado do rio.
- Vejo que conseguiu - Disse a menina ex-senhora. - A confusão da minha mente não sabia distinguir.
- Sem a sua ajuda eu não teria chegado a lugar nenhum, ainda estaria perdido naquela floresta medonha e com aspecto triste.
- Você deve, as vezes, escutar o que diz dentro de você.
- Como assim? me perdoe… mas qual é o seu nome?
- Meu nome é Alma.
- E o que aconteceu Senhorita Alma? A floresta era horrível e foi transformada, este mesmo rio estava congelado e agora estou remando sobre ele, a noite que me apavorou passou mais rápido do que eu imaginava, a senhora me parecia um tipo de mendiga, tinha uma aparência horrível, e depois quando a reencontrei sentado na pedra sua aparência havia melhorado uns dez anos. E desta vez… minha nossa, está formosa como um arco-íris no céu. Me perdoe… mais, estou tão confuso…
- Responderei as suas duvidas para que possa enxergar a transformação que aconteceu aqui. Primeiramente, me sinto muito feliz que tenha notado o arco-íris em mim, antes… teria me visto como um fardo em meio a floresta. — Permaneci ouvindo, atento.
- Segundo: Toda essa transformação partiu de você, que tomou a decisão de voltar atrás e concertar os seus erros, que teve a coragem de olhar e realmente conseguir ver o mundo. De uma forma mais suave e mais límpida. Viveu tanto tempo enxergando somente as destruições da vida, que teu coração se transformou em uma floresta escura e cheia de tristezas. Sim… antes que pergunte, essa floresta significava o seu coração e o quanto ele estava bagunçado, ferido, escuro… sombrio.
— Fiquei atônito, boquiaberto, as lágrimas me subiam aos olhos como uma explosão de sentimentos. Sem pressa, perguntei: - E a moça que me disse para seguir em frente?
- A moça era a voz do seu orgulho, que muitas vezes, lhe diz o caminho errado, que lhe faz perder-se e cavar um buraco ainda mais fundo do que o que você se encontra. Muitas das vezes, o nosso orgulho nos prende em cadeias que não conseguimos enxergar se não passarmos por dificuldades como as que você passou. Não conseguimos ver sem nos ferir, sem nos desesperar. Existem coisas que observamos melhor pela dor.
— Agora meu rosto era tomado pelas águas que tanto prendi dentro do meu coração.
- E você, não vai perguntar quem eu sou?
- Eu acho que sei… agora, sei…
- Muito bem, e quem sou?
- Alma, a minha alma. E eu preciso me desculpar, por todas as vezes em que lhe dei as costas, por todas as vezes em que não a ouvi, por todos os dias, meses e anos, em que sequer lembrei que você existia em mim, e te deixei as mínguas, como um mendigo, abandonada, no meio da floresta negra que era o meu coração.
- Não há do que se desculpar, meu jovem… Olhe pra mim agora, estou renovada, jovem, limpa. E seu coração se transformou em um imenso e belo jardim. Estou bem amparada.
— Ao longe, via a cidade se aproximando e quando a jovem Alma ia abrir os lábios para derramar algumas outras palavras…Acordei, suado e com a cama totalmente remexida.
Fazia muito tempo em que não me sentia vivo daquele jeito, em que não via a mim mesmo no espelho. Me pus a pensar na confusão do que havia acabado de sonhar… foi quando reparei no que havia encima da mesa de cabeceira. Era uma flor, que perfumava todo o quarto. Foi então que descobri o que ela ia terminar de dizer. - A noite fria, e medonha, as vezes, passa mais rápido do que esperamos.
E desde lá, desatei os nós que me prendiam ao orgulho, e me dediquei a concertar todos os laços que havia arrebentado.
Foi o dar de mãos ao meu coração e minha alma que nunca mais soltei.