Querido, tentei fincar todo e qualquer... Bruna Barbosa
Querido,
tentei fincar todo e qualquer perigo de viver em ti. Mas descobri que sempre fomos mais do que o pulo da sacada do último andar. Tentei suprir todos os medos que guardamos debaixo da pele, mas meus cabelos brancos que só você consegue ver não me deixou acabar com a coluna por sua causa. Sei que tentamos. Agora podemos descer a escada e acabar com a ideia absurda de se tacar do sétimo andar pra tentar voar como os pássaros que roubamos um dia. Sei agora te olhando de perto, que tua alma é tão sufocada quanto a minha, também não consigo respirar mais, as paredes também me puxam pra dentro e o sol me assusta.
Não sou capaz de curar teus olhos roxos de tantas noites de tormenta quando o choro rui no ouvido pálido. Minhas mãos não esquentam teu coração que sangra por mais uma dose de poesia. Somos intensos demais pra cuidar um do outro, sua história é a minha vida, minha vida é a sua história. E você acabou virando todos os meus pesadelos, e eu, por minha vez, acabei virando as suas lágrimas que nunca foram choradas até hoje. Sei que ficar de pé na beirada desse prédio alto em que estamos da vontade de se tacar de cabeça e libertar a alma presa, contida. Sei que dá vontade de catar o lixo das pessoas e comer o amor que elas jogam fora, sei que da vontade de rir por pura loucura e correr por medo, quem sabe.
Mas, querido, eu preciso de salvação, de abrigo, de uma rosa que não sangre como aquela do pé de solidão… preciso de um guia no meio desse deserto de zumbis desalmados a procura de uma carne pura e límpida como a nossa. E preciso do estrago, finalmente, digo, preciso. Para abotoar minha roupa após o banho e depois rasga-la com os dentes como se fosse um animal sem pena, para curar minhas dores de cabeça e me fazer afundar em puro desespero inconsolável. Para dar um jeito nesse meu coração quebrado em pedaços que eu nem sei aonde estão… e será que tem jeito? será que tem jeito pra mim?
Ô, querido, eu só quero uma chance pra suspirar sem essas algemas e gaiolas, sem essas preces e esmolas. Pois em nossos olhos estão erguidas todas as dores profundas e diluídas que nenhum de nós curamos. E não temos jeito, além de tudo, adoramos essa persistência em cair. Sou uma miragem sua, desesperançosa, cansada, depressiva. Mas ainda sei expulsar a repulsa, o raio solar, a boa menina que um dia, talvez tenha sido. O estrago é maior que isso, e todos os fantasmas agora estão reunidos em uma coisa que a gente chama de cabeça.
A verdade é que nem sei mais onde estou. Mas chego lá.