Espumas flutuantes É quase meia-noite.... Alexandru Solomon

Espumas flutuantes

É quase meia-noite. Por que o sono tarda?
Chegada é a hora, daqui, desta mansarda,
Olhar o firmamento, em sombras embebido,
E receber das ruas constante alarido.

Monótono murmúrio, mais uma vez repita
A velha cantilena de um laço de fita,
Mas, por ter retomado o verso centenário,
Irão meus detratores chamar-me de plagiário?

A ânfora sagrada repleta até a borda
Entorno com cuidado. O líquido transborda.
E afogado em néctar, aos poucos esqueço
Aquela dor que um dia virou-me pelo avesso.

Perdido na saudade daquela criatura,
A mente se rebela, protesta, esconjura.
Mas rende-se covarde à sombra que levita,
Fantasma do passado com seu laço de fita.

Abafam os meus passos espessa alcatifa,
Espio Sherezade à frente do califa,
Contando o sonho louco de um jovem colegial,
Que viu na Messalina a aura de vestal.

O tempo foi trazendo a doce acalmia,
O sono se aproxima da ânfora vazia,
E no mais lindo verso de púrpura escarlate,
O caos da amnésia, debalde se debate.

Pois outros são os tempos. Mas vejo a figura
Menina com seu laço de Vênus imatura,
Tu, náiade perversa, eu, um cabuletê.
Teu corpo é espuma cobrindo o Tietê.