MERA OBSERVAÇÃO Era noite de sexta... Gabriel Tarrão

MERA OBSERVAÇÃO

Era noite de sexta feira.
Uma noite bem fria, por sinal.
Falei com todos, puxei uma cadeira.
Me acomodei e comecei a conversar, nada anormal.

Comigo, os velhos companheiros de prosa
Um pouco de assunto e o som vindo da rua.
Ao centro uma mesa com uma flor, uma rosa.
Alguma bebida e um prato de carne meio crua.

Estávamos todos no interior d'um bar.
O típico boteco que de tudo tinha.
Da cachaça mais inusitada
Ao famoso frango à passarinha

Na vitrola, um bolero conhecido.
Ao lado, uma linda dama de perfume.
Na sinuca, um malandro bem sabido
E o papo fluía como de costume

Mas, tinha algo diferente
Algo estranho acontecia,
Era comigo.
E, meio que de repente,
Perplexo, eu me via.
com tudo eu estava entretido

Passei a enxergar tudo.
Enxergar não, ver.
Ver aquilo que estava no meu mundo.
Aquilo que eu insistia em esquecer.

Vi o grilo, que zoava no teto
Já me tachando de louco
Pois, dar importância a um inseto
pra loucura, faltava pouco.

O giro das hélices do ventilador,
que esfriava ainda mais o lugar
Era monótono e assustador
Tal como um velho que, solitário, estava por lá.

Um casal de gulosos
que sempre pediam o mesmo
Um prato cheio ovos
E uma porção de torresmo.

Do outro lado da rua
Residia Um mendigo
Vivia no mundo da lua
Abandonado, doente, encardido.

Me irritei com a porta do banheiro
Que fazia um som insuportável
Até que um garoto, um tanto ligeiro
Entrou lá e o resto é improvável.

Pensei na minha família
Que, feliz, me aguardava no lar
E quando, no bar, entraram mãe e filha
Queria, pro meu aconchego, voltar.

Até que, de supetão, tudo sumiu.
Abri meus olhos e me surpreendi.
A porta do quarto, autônoma, se abriu
E num piscar de olhos, uma tragédia percebi.

Fiquei mal, desolado
o rosto estava bem tristonho.
Tudo aquilo que havia presenciado.
Fazia parte de um sonho

Um sonho engraçado
De mera observação
Só que estava recheado, coitado,
De uma ingrata ILUSÃO.