Não há mesmo algo que possa ser mais... Theo Alves

Não há mesmo algo que possa ser mais precioso que o tempo. E para quem pense em outros clichês como “amor”, “felicidade” e “saúde”, é preciso dizer que o tempo é naturalmente presente e fundamental para estes. Isso porque o amor, por exemplo, desvanece se não houver o tempo para cuidá-lo, entendê-lo, permiti-lo ou mesmo o sentir.

É o tempo que permite a felicidade simples – a única real e possível – das coisas comuns do dia: aproveitar o frio de uma manhã de inverno, andar pelas ruas da cidade, ver as luzes distantes das casas ainda mais distantes desenharem estranhos e belos mosaicos nas paredes da noite. Viver é simples, mas é preciso tempo para fazê-lo.

A correria dos dias, o absurdo a que o trabalho nos obriga, os afazeres diários, os compromissos, as cobranças, as filas de banco, a espera ao telefone dos centros de atendimento, o trânsito, os celulares tilintando a todo o momento... tudo isso nos distancia do tempo, nos leva para fora dele: e os relógios não nos libertam, mas nos escravizam. Não conheço ninguém que não esteja, no mínimo, cinco minutos atrasado para alguma coisa. Às vezes, para nada. Mas sempre atrasado.

Parecemos ter esquecido as pequenas e edificantes tarefas em desobrigação: remexer os velhos livros e discos, lembrar do que significam alguns deles, recordar os amigos a quem não vemos há muito; ir à feira e escolher os legumes com delicadeza, pensando nas possibilidades que nos permitem, cozinhá-los em fogo brando, com o azeite do tempo, e comê-los sentado à mesa, como se nada mais importasse; rolar na cama preguiçosamente e traçar novos acordos com o dia – para depois descumpri-los, sem culpa; rever fotos antigas, relembrar e esquecer nomes; desfrutar da companhia singela da bela esposa ou do marido tranquilo, divertir-se com as novidades dos filhos miúdos a fazerem graça; assistir a um filme italiano despretensioso e sem bruscos movimentos de câmera; pensar.

É o tempo, sua presença, que nos permite exercícios simples como esses. E são, não tenho dúvidas, exercícios de felicidade. A praticidade em que nos metemos, a velocidade, as multitarefas põem nos dias um amargor que não lhes é natural. Por isso, hoje, na contramão do mundo, o tempo é meu e serei, sem necessidade de decretos, plenamente feliz.