Diante do espelho - Oi! - Oi. Novamente... Marcos Ferrer

Diante do espelho
- Oi!
- Oi. Novamente nos encontramos.
- Como vai esta dor?
- Doída como sempre...
- Vejo que ainda não se acostumou?
- Não. Ah!... Que horas são?
- Três horas. E como da última vez não conseguiu dormir?
- Não desta vez foi pior.
- Conte-me.
- Foi lentamente. Fechei um dos olhos. Vi um imagem turva abri-o novamente. Não era nada. Sonolento, virei - me de bruços. Pela dor mal consegui respirar. Virei a olhar novamente para o teto...
- Então?
- Vi um facho de luz se aproximando bem devagar. A luz era fosca e cada vez mais foca foi ficando. Até que então adormeci. A última imagem que tive foi o nosso reflexo no espelho. Quando dei por mim estava sentado diante de mim mesmo. Em minha frente o guarda-roupas enorme e de um imenso marfim imperial. A janela às costas, o abajur em cima do criado mudo ao lado esquerdo da cama. E ao seu lado o relógio com seus tic-tacs me informavam as horas.
No teto o ventilador parado há dias, pois estava frio. Levantei-me e fui ao banheiro.
“Todas as manhãs o meu amor por ti é sempre o dobro do que foi ontem...
Ao meu amor, beijos.”
Meu coração sorriu. A mensagem estava escrita de batom no Box. Saí à porta olhei para a Cama. Um lugar frio e o outro ainda quente. Dirigi-me para a cozinha. A sede apertou, engolia à seco.
A porta da geladeira aberta. Outra vez a esqueci assim. Mas desta vez, assim como quando deixo o leite ferver até sujar o fogão, não levei bronca alguma. Ao lado um prato só na mesa foi o resto que ficou. Perto estava o copo com gelo, ou pelo menos o que sobrou do gelo misturado a uísque que já aguado e sem sabor servia de piscina para uma mosca que como eu parecia afogar as mágoas...
Novamente fui ao banheiro. Notei no cesto de roupas sujas algumas que não via há algum tempo. Também pudera as minhas estavam por cima havia mais de mês. Voltei ao quarto. Sentei-me diante o espelho. E de repente vi-me em seus braços. Éramos loucos apaixonados e de um amor insano... mas, talvez, apenas lembranças de um dia que se foi.
- Dói?
- Muito, ainda. Mas desta vez foi pior. Precisei de mais uma bebida, pois o torpor é mais aconchegante do que a lembrança. E em meio a essa vida de rastejo. Sobrevivo... a cada dia.
E hoje que me encontro com minha consciência. Pergunto-me em que eu errei? Foi no modo rude? Nas palavras ásperas? A falta de tempo? Não sei ao certo para dizer o que aconteceu. Talvez o desleixo, mas todo homem é meio desleixado. Enfim a dor. Dor que traduzida ao pé da letra significa e se transforma em saudade. Pois se não fosse a morte te levar. Deixaria abaixo do seu bilhete no Box as seguintes palavras:
“Se o teu amor por mim é sempre o dobro do que foi ontem.
O meu por ti jamais existirá em um amanhã. Será tão somente um hoje, tão constante como o ar que respiramos...”