A moça olhava para uma das mãos,... Laís Machado Ramos
A moça olhava para uma das mãos, distraída. Ignorava as vozes, as gargalhadas exageradas, o bater de garfos nos pratos, o arrastar de cadeiras, as buzinas lá fora e todo o resto do mundo. Estava mergulhada em pensamentos, talvez inundada deles, quase se afogando. Estava parada como uma estátua vazia, mas aposto com qualquer um que estava tão cheia e agitada quanto um show de rock. Ela era linda, mas de um jeito triste. Tinha os cabelos da cor do mais puro mel, os braços compridos que terminavam em mãos tão sutis que me faziam imaginar como seria o seu toque, a postura um pouco curvada de quem já sofreu muito e não aguenta mais o peso de tanta descrença e os lábios cerrados em um sorriso duvidoso. De repente virou-se como se tivesse acabado de chegar ao mundo e encarou aquele rapaz com um olhar lânguido que quase implorava que lhe pegasse no colo, lhe cantasse uma canção e lhe pusesse pra dormir. Ele retribui com os olhos de quem promete que vai te ninar pra sempre. A moça simplesmente ignorou e voltou a encarar sua mão, como quem se vê tomada por um desejo que ameaça romper as barreiras do corpo. De súbito, arrancou a bolsa da cadeira, colocou-a sobre o balcão e começou a remexer procurando alguma coisa. Tirou um telefone celular e sua carteira. Digitou um número no celular e hesitou. Apertou o aparelho como quem tenta afastar uma tentação, sem saber que ceder-lhe é a forma mais eficaz de se livrar dela. Parecia tão docemente perturbada! Colocou novamente o aparelho onde lhe trouxe. Fixou os olhos em mim e de uma forma seca pediu:
- Traga-me um café, por favor. Mas puro, sem açúcar, ou leite, ou creme. E que venha em uma xícara bonita.
Mas vejam só! A moça se afundava cada vez mais no amargo do café, para que assim ninguém percebesse a doçura que trazia em seus lábios. E confundia-se com seu próprio pedido, tentando arduamente tornar-se uma pessoa amarga, mas que não conseguiria jamais, exatamente pelo fato de estar pura, com uma aura completamente branca ao seu redor. Levantou-se inquieta. Percebi números em sua mão - Deve ser o número de alguém para quem queria muito telefonar, mas a mágoa impedia. Certamente alguém por quem nutre fortes sentimentos e que talvez esteja longe... não! talvez esteja por perto mas ainda assim longe demais. - e quando voltou do banheiro, não estavam mais lá. Sentou-se. Tomou seu café como quem é obrigado a tomar cicuta. E continuou olhando para a sua mão, distraída numa tristeza suave. Pagou a conta e foi embora carregando o peso do "e se". Certamente não tinha nada pra falar ao telefone, mas tinha ao menos o desejo de ser lembrada ao utilizar essas ondas sonoras pra transmitir uma voz melódica e doce, como o creme que faltou em seu café