— Não há gradações de... Anne Rice
— Não há gradações de perversidade? Será o mal um imenso e perigoso poço onde se cai ao primeiro pecado, mergulhando até o fundo?
— Sim, acho que é. — respondi. — E não é lógico, como você tenta aparentar.
— Mas não está sendo justo — disse, com o primeiro vislumbre de emoção na voz. — Certamente atribui grandes graus e variações à bondade. Existe a bondade da criança, que é inocência, e há a bondade do monge que abriu mão de tudo e vive uma existência de auto-privação e trabalho. A bondade dos santos, a bondade das donas-de-casa. São todas iguais?
— Não. Mas igualmente e infinitamente diferentes do mal — respondi.
— E como se atinge o mal? — perguntou. — Como se sai da graça e de repente se fica tão cruel quanto o júri popular da Revolução ou o mais sádico imperador romano? Basta simplesmente faltar à missa aos domingos, ou cuspir a hóstia? Ou roubar um pedaço de pão... ou dormir com a mulher do próximo?
— Não... — sacudi a cabeça.
— Não. — Mas se o mal não tem gradação, e existe este estado de maldade, então basta um único pecado. Não foi- isso que disse? Que Deus existe e...
— Não sei se Deus existe — falei. — E pelo que sei ... Ele não existe.
— Então os pecados não importam — retrucou. Nenhum pecado atinge o mal.
— Isto não é verdade. Pois se Deus não existe, somos as criaturas mais conscientes do universo. Só nós compreendemos o passar do tempo e o valor de cada minuto da vida humana. E o que constitui o mal, o verdadeiro mal, é tirar uma única vida humana. Não importa se um homem vai morrer amanhã, depois, ou eventualmente... Pois se Deus não existe, esta vida... cada segundo dela... é tudo o que temos.