Você já foi a um jantar inteligente?... Luiz Felipe Pondé
Você já foi a um jantar inteligente? Jantares inteligentes são frequentados por psicanalistas, artistas plásticos, músicos, atores, jornalistas, publicitários (com a condição de falar mal da publicidade), médicos (esses porque, como é sempre chique ser médico, não se dispensa médicos nunca), produtores, "videomakers", antropólogos, sociólogos, historiadores, filósofos.
Administrador de empresa não pega bem (a menos que tenha um negócio sustentável). Engenheiros, coitados, só vão se forem casados com psicanalistas que traduzem pra eles esse mundo de gente inteligente. Advogados podem ir porque é sempre necessário um cínico inteligente em qualquer lugar. Pedagogas, só se casadas com esses advogados e por isso talvez consigam bancar amizades chiques assim.
Ricos são sempre bem-vindos apesar de gente inteligente fingir que não gosta de dinheiro. Pobre só se for na cozinha, mas são super bem tratados. Claro, tem que ter um amigo gay feliz.
Essa gente é descoladíssima. Seus filhos estudam em escolas de esquerda, claro, do tipo que discute o modelo cubano de economia a R$ 2 mil por mês.
Quando viajam ficam em lugares que reúne natureza "pura", tradição (apenas como "tempero do ambiente") e pouca gente (apesar de jurarem ser a favor da democracia para todos, só gostam de passar férias onde o "povo" não vai).
Detalhe: é essencial achar todo mundo "ridículo" porque isso faz você se sentir mais inteligente, claro.
Quanto à religião, católica nem pensar. Evangélicos, um horror. Espírita? Coisa de classe média baixa. Budista, cai muito bem. Judaica? Uma mãe judia deixa qualquer um chique de matar de inveja. Judaísmo não é religião, é grife.
Mas o que me encanta mesmo são as "atitudes" que se deve ter para se frequentar jantares inteligentes assim. Claro, não se aceita qualquer um num jantar no qual papo cabeça é o antepasto.
Quer saber a lista de preconceitos que pessoas inteligentes têm? Qualquer um desses "gestos" abaixo você pode ter, que pega bem com comida vietnamita ou peruana.
1) A Igreja Católica é um horror e o papa Bento 16 é atrasadíssimo. Claro que não vale ter lido de fato nada do que ele escreveu;
2) Matar Osama bin Laden sem julgamento foi um ato de violência porque terroristas são pessoas boazinhas que querem negociar a paz em meio a criancinhas;
3) Ter ciúmes é coisa de gente mal resolvida;
4) Se algum dia um gay lhe cantar e você se sentir mal com isso, você precisa rever seus conceitos porque gente inteligente nunca tem mal-estar com coisas assim;
5) Se seu filho for mal na escola, minta. Se alguém descobrir, ponha a culpa na professora, que é mal preparada pra lidar com crianças como seus filhos, que se preocupam com as baleias já aos 11 anos e discutem a África no Twitter;
6) Caso leve seus filhos à Disney, não conte a ninguém, pelo amor de Deus!;
7) Acima de tudo, abomine os Estados Unidos, ache Obama ótimo e vá à Nova York porque Nova York "não são os Estados Unidos";
8) Não seja muito simpático com ninguém porque gente simpática é gente carente e gente assim procura "eye contact" em festas. Um conselho: olhe sempre para um ponto no horizonte. Assim, se alguém falar com você, ela é que é carente;
9) Ache uma situação para dizer que você conhece uma cidadezinha no sul da Itália e lá ficou hospedado na casa de uma amiga brasileira casada com um italiano que defende o direito dos imigrantes africanos e odeia Silvio Berlusconi;
10) O ideal seria se você tivesse passaporte italiano também;
11) Se alguém falar pra você que não dá para pagar direitos sociais e médicos para imigrantes ilegais na Europa, considere essa pessoa um "reacionário de direita", mesmo que você não aceite sustentar alguém que não seja você mesmo e sua família (no caso da família nem sempre, claro);
12) No conflito israelo-palestino, não tenha dúvida, seja contra Israel, mesmo que morra de medo de ir lá e não tenha lido uma linha sequer sobre a história do conflito;
13) Se você se sentir mal com a legalização do aborto, minta;
14) Deixe transparecer que só os outros transam pouco;
15) Seja ateu, mas blasé.
Folha de São Paulo – 06.06.2011