Eu não quero falar de você nem da sua... Olga Durães
Eu não quero falar de você nem da sua voz lerda de saudade. Não quero falar sobre o seu pânico de me ver depois de uns anos, nem da sua roupa bonita, seu salto quebrado e seu melhor ângulo ensaiado para os primeiros cinco segundos. Não quero falar que você confundiu meu nome com Renato, nem do tremelique que sentiu quando transferi a ligação. Não quero falar da sua resposta fácil, do seu jeito atrapalhado, nem da sua pressa de viver a gente de novo. Não quero falar do seu esmalte descascado, dos seus cílios montados nem de quantas vezes você escovou a língua pra me parir do seu cérebro. Eu não quero falar do seu amor surrado que manca, rasteja e permanece. Eu não quero falar, mas eu sei que você pensou em me contar do carro, da viagem, do banco e do despertador pra sufocar a troca de telefone e o jantar depois do trabalho. Eu não quero falar, mas eu sei que você é a única que acredita que vou ocupar o espaço vazio entre a poltrona e a planta da sala. Você é a única que acredita que eu vou deitar nas suas almofadas pra assistir um dos nossos filmes e acordar com o umbigo sujo de pipoca.