Dona Cacilda é uma senhora de 92 anos,... Elizandra Silva
Dona Cacilda é uma senhora de 92 anos, miúda e tão elegante que todo dia às 8 da manhã ela já está toda vestida, bem-penteada e discretamente maquiada, apesar de sua pouca visão.
E hoje ela se mudou para uma casa de repouso: o marido, com quem ela viveu 70 anos, morreu recentemente e não havia outra solução.
Depois de esperar pacientemente por duas horas na sala de visitas, ela ainda deu um lindo sorriso quando a atendente veio dizer que seu quarto estava pronto. Enquanto ela manobrava o andador em direção ao elevador, dei uma descrição do seu minúsculo quartinho, inclusive das cortinas floridas que enfeitavam a janela.
Ela me interrompeu com o entusiasmo de uma garotinha que acabou de ganhar um filhote de cachorrinho:
– Ah, eu adoro essas cortinas...
– Dona Cacilda, a senhora ainda nem viu seu quarto... Espera um pouco...
– Isto não tem nada a ver – ela respondeu. Felicidade é algo que você decide por princípio. Se eu vou gostar ou não do meu quarto, não depende de como a mobília vai estar arrumada... Vai depender de como eu preparo minha expectativa. E eu já decidi que vou adorar. É uma decisão que tomo todo dia quando acordo. Sabe, eu posso passar o dia inteiro na cama, contando as dificuldades que tenho em certas partes do meu corpo que não funcionam bem... Ou posso levantar da cama agradecendo pelas outras partes que ainda me obedecem.
– Simples assim?
– Nem tanto; isto é para quem tem autocontrole e exigiu de mim um certo “treino” pelos anos afora, mas é bom saber que ainda posso dirigir meus pensamentos e escolher, em consequência, os sentimentos.
Calmamente ela continuou:
– Cada dia é um presente e, enquanto meus olhos se abrirem, vou focalizar o novo dia, mas também as lembranças alegres que eu guardei para esta época da vida. A velhice é como uma conta bancária: você só retira aquilo que guardou. Então, meu conselho para você é depositar um monte de alegrias e felicidades na sua conta de lembranças. E, aliás, obrigada por este seu depósito no meu banco de lembranças. Como você vê, eu ainda continuo depositando e acredito que, por mais complexa que seja a vida, sábio é quem a simplifica.