Mais uma festa Um a um foram chegando, e... Tati Bernardi
Mais uma festa
Um a um foram chegando, e eu somando a quantidade de amor que tenho no mundo. Mais ou menos 50 pessoas foram, somando com mais um monte de e-mails e mais um monte de ligações, é… até que sou bem amada. Calma, você é amada, tá vendo? Não precisa mais ficar em casa de pijama assistindo Woody Allen, você é amada. É que dá uma preguiça de existir.
Comemoro que estou viva, no meio da confusão que é comemorar ter amigos, comemorar a blusa nova, comemorar que tenho emprego e, por isso, amigos e roupa nova, comemorar que fiz progressiva na franja, comemorar que não sou um alien e consigo socializar, comemorar que existo dentro de uma comunidade que me aceita e até sai de casa pra tentar achar uma ruazinha difícil pra caramba.
Sorri em todas as fotos, esgotei minhas piadas, desfilei abraços, toquei em muita gente, ganhei alguns presentes, fiz bem meu papel de “olha que legal, estou aqui, mais um ano se passou e eu continuo achando que vale a pena estar aqui”.
Um a um vão embora, e eu somando a quantidade de amor que vai embora.
Sobram os loucos e suas insônias, sobra o garçom cansado que não agüenta mais os loucos e suas insônias. Sobra uma latinha num canto, seis cadeiras solitárias formando uma rodinha animada, muitas bitucas que insinuam um animado papo que não existe mais. Sobro eu, novamente.
A vida, a noite, as festas, tudo continua igual. O mesmo fedor de cigarro no cabelo, o mesmo homem bonito me olhando de longe, o mesmo homem bonito que, quando chega perto e abre a boca, eu gostaria que tivesse permanecido longe. O mesmo ânimo em pertencer, a mesma alegria em comemorar, a mesma festa em se encontrar. Mas ninguém sabe exatamente ao que pertence, o que comemora e muito menos o que encontra.
Atravesso a rua sozinha, carregando uma sacola cheia de presentes e cartinhas. Entro sozinha no meu carro, ouço de novo a música da semana, sigo em frente. Carrego o afeto que ganhei numa sacolinha rosa, mas dentro do meu coração é sempre esse saco furado e negro.
Por mais que todas as terapias do mundo, todas as auto-ajudas do universo e todos os amigos experientes do planeta me digam que preciso definitivamente não precisar de você, minha alma grita aqui dentro que, por mais feliz que eu seja, a festa é sempre pela metade.
É você quem eu sempre busco com minha gargalhada alta, com a minha perdição humana em festejar porque é preciso festejar, com a minha solidão cansada de se enganar.
Não agüento mais os mesmos papos, os mesmos cheiros, as mesmas gírias, os mesmos erros, a volta por cima, o salto alto, o queixo empinado, o peito projetado pra frente. Não agüento mais fingir com toda a força do mundo que tudo bem festejar sem saber quem é você.
Eu não acredito mais em sumir do país, em trocar de emprego, em mudar de religião, em ficar em silêncio até que tudo se acalme, em dormir até tarde, no fim de tarde na Praia Preta, na nova proposta, no novo projeto, no super livro, no filme genial, na nova galera, na academia moderna, no carinha até que bacana que gosta de jazz e restaurantes charmosos, no curso de história, em comprar o novo CD mais master animado do mundo, em ler John Fante longe de tudo, em ser dondoca, em fazer progressiva, em fazer boxe, em fazer torta de verdura, em ser batalhadora, em ser fashion, em não ser nada. Mas eu continuo acreditando na gente, eu continuo acreditando que tudo sem você é distração e tudo com você é vida.
Como eu queria agora ir para a sua casa, deitar na sua cama, ouvir a sua voz, esquentar meu pé na sua batata da perna. Como eu queria saber seu nome, seu cheiro, sua rua.
Assim como um dia um samba saiu procurando alguém, este texto tem a missão de sair em sua busca. Eu não escrevo por dinheiro, vaidade, pretensão ou inteligência. Eu escrevo porque eu sei que é assim que vou te encontrar. Eu escrevo porque não posso mais agüentar que a festa acabe.