A lua era a mesma. A minha cabeça é... Janine Lamenha
A lua era a mesma. A minha cabeça é quem tinha mudado. Eu parei de ver beleza nas coisas, emoção nas crianças brincando no parque, ânimo nas platéias, tudo perdeu a essência e a cor. O vento não parece mais tão gostoso. A chuva agora só me convida a uma dolorosa noite sem sono em baixo de um cobertor qualquer. Não mais o que tem o seu cheiro. Os filmes que costumávamos assistir perderam a graça, eu nem me dou mais o luxo de sentir medo do escuro. Ele virou meu companheiro junto a solidão. E no meio da noite quando eu decido que eu estou ótima, afinal, tenho uma vida incrível cheia de amigos e familiares que me adoram, eu lembro que vou virar para o lado da cama e vou dar de cara com a parede. Fria e branca. Sem vida. Praticamente o meu reflexo no espelho. Eu não como mais. Tudo o que me alimenta são lembranças. Eu lembro de quando eu tinha medo de andar de moto e você me ensinou a segurar na sua cintura, e andar de moto virou o que eu mais gostava de fazer porque eu poderia estar te abraçando de maneira aproveitadora. Lembro quando eu fuir dormir na sua casa pela primeira vez e você colocou sal no café, e aquilo me fez rir até cair... nos seus braços. E me lembro ainda te quando te conheci. Você era feio, vesgo e estranho. Então você me abraçou e me suspendeu no ar sem razão nenhuma, simplesmente pra me fazer te sentir, e eu percebi naquele instante que meu filho nasceria um pouco feio, vesgo e estranho. Aí no meio da noite quando eu tento me convencer mais uma vez, eu me pergunto porque todas as coisas ficaram feias e sem graça depois que você foi embora. E eu não me culpo por nada disso. Saio na porta e vejo que a lua já não é mais linda e cheia de graça. Ou será que foi a minha cabeça que mudou? Não sei. Mas eu queria muito dar uma volta de moto agora.