A noite É a materna fonte Que gera em... Renée Venâncio

A noite
É a materna fonte
Que gera em seu ventre
O clarão da aurora de um novo dia.
No compasso de ritmadas contrações,
Ela me dará a luz, o amor
E o tanto que eu mereça
De toda a sua alegria.

Ali estava eu: envolto pelo útero perfumado de um edredom e algodão. Nada me remete mais ao amor de mãe do que o perfume de roupa limpa cobrindo os meus sonhos. Ali estava eu: zigoto boêmio, à deriva no amniótico orvalho da madrugada.

De repente, um sopro gelado eriçou os meus pelos. Um frio de arrepiar, me fez encolher todo na busca pelo aconchego da minha primitiva posição de feto no ventre da minha mãe. Senti o toque gelado do fórceps da brisa matinal a me dizer que já era hora. Senti a solidez do aço da minha insônia varando por entre as pernas da manhã para me parir e descortinar as cores de mais um dia.

É lindo vir ao mundo ao nascer do sol! Então eu quero brindar sugando o colostro que escorre em abundância pelas tetas da manhã. Amanhecer é como nascer de novo e sempre e outra vez. Amanhecer é escrever o cabeçalho de uma nova lição desta vida que insiste em recomeçar todos os dias. Quando o dia nasce, eu me refaço e me entrego ao meu alegre pranto de criança fazendo manha na hora de levantar.


Agora,
No acalanto do colo da manhã,
Sou apenas uma criança com medo das ruas;
Sou apenas mais um filho bastardo do sol.
Respeitosamente,
Submeto-me à sua luminosa
E paternal vontade de me fazer brilhar,
Sejam quais forem as disposições em contrário.
Esse é o sol que me guia como um pai zeloso
Em suas translúcidas virtudes
Para me ensinar que,
Quem tem o brilho mais intenso
Não é aquele que ofusca
Quem está à sua volta,
Mas sim,
É aquele que ilumina
Tantos quantos forem aqueles
Que precisarem de luz.