O plano não era esse. O plano era que o... Mayara Freire
O plano não era esse. O plano era que o encanto permanecesse. O plano era se encantar sempre. O plano era não ter partidas. O plano era não precisar de mudar, o plano era não cansar, o plano era que permanecesse sempre assim.
O plano não era te perder. Não era ter saudades insuportáveis. Não era te deixar nem te dar o último abraço.
Com o umbigo e tudo que vem depois do perigo, com o bonsai, haicais, jardim de inverno, girassóis, e rascunhos guardados na gaveta do criado mudo ao lado da cama, eu fico, mais uma vez, esperando que você volte, como voltou naqueles quinze minutos.
Tudo bem... Eu fico, a gente fica. A gente continua preferindo as filosofias, as tardes de encanto, as noites de inverno, as manhãs de chá quente.
É como uma rosa. Existia somente o botão, escondido num canto, até ser tocado pelo vento e iluminado pelo sol. Iludida por todo o encanto, se abre e desabrocha numa das coisas mais belas que existe, num dos maiores significados do amor, da paixão, da vida. E, sem demora, morre. Levando consigo toda a beleza, toda a luz, todo o significado.
O mar estava lindo, tudo com cara de inverno.
E no espelho, o pior e o melhor de mim. Eles já não ficam mais guardados, escondidos em algum canto aqui dentro. Mas ficam expostos, sem vergonha de mostrar exatamente o que são, o que sempre quiseram.
Você bateu aqui na porta e eu deixei você entrar, só entre com cuidado, olhando onde pisa, não toque nos quadros, nem abra as caixas do canto da sala; sente-se sem desarrumar as almofadas - elas estão pela ordem das cores. Deixe a música tocar e não abra a janela.
E se eu não sentar ao teu lado, me deixe quieta. Não faça perguntas. Não invente histórias. Não pergunte se estou bem... Também não pergunte qual a fase da lua nem se o sol saiu hoje, faz uma semana que não saio de casa.
Essa semana não estava nos planos. Nem esse ano, nem ano passado, nem ano retrasado.
Nada disso estava nos planos. E por não estar, eu me perdi, e agora vivo procurando motivos para tocar piano como antes, quando eu atraia os pássaros com os sons que eu tocava, sem partitura... Só deixando que os dedos tocassem o que saía da alma.
Queimei os rascunhos da gaveta... Não os quero mais. Eram pensamentos aleatórios, impulsões. As malditas impulsões que sempre me fizeram agir de maneira errônea, sem razão.
Talvez eu mande aquelas cartas que escrevi e termine o livro que comecei.
Talvez... Quem sabe.
A vontade aqui mesmo é de estar longe, de respirar um ar mais puro, sem esse sufoco de superar expectativas. Olhar tudo do meu jeito, sem seguir regras, sem deixar que manipulem, que suponham.
Simplesmente... Respirar um pouco mais além, sentir o ar entrando e oxigenando.
Quem sabe, depois eu penso um pouco em tudo.
Não vale à pena nada disso, nenhuma tortura, nenhuma culpa.
O que vale realmente é a vida que está sendo vivida e que, a propósito, é uma só.
Fica aí com tudo que é contrário ao que eu tenho aqui... Né, não?