O cachorro lembra De tudo, só restou o... Codinome Naftaline

O cachorro lembra

De tudo, só restou o cachorro. Ele mergulhado em todas as lembranças.

Pobre criaturinha de Deus, mal consegue caminhar, enxerga muito pouco e o som é apenas um fragmento distante do que um dia existiu.

O que um dia foi mais rápido que o pulsar de um coração em maratona, hoje, nem se movimenta. Está quebrado, está marcado, está tatuado com os sinais de uma vida, impressões de toda uma família, que apresenta seus estigmas no animal.

É uma família que um dia foi e não é mais.

O cachorro percebe o que ninguém quer ver. O cão sente, lembra e se entristece.

A família disfarça, finge que não vê, encobre a realidade, pois assim é mais fácil, não é?

A realidade do bicho é aquela. Triste verdade, que não tem como mudar.

O cão remete à dor e lembra toda a pobreza. E tudo aquilo que se quer esquecer.

O cão faz lembrar à morte, abre espaço para a saudade. Pesar de todos os que já se foram e não voltam mais.

Nem a prece mais bonita e sincera os trará de volta. É triste saber. Mas se deve continuar a viver.

O cão lembra ainda o portão puído, a casa destruída, as crianças mal-vestidas, a falta de comida e os gemidos da vovó.

Os olhos do cachorro são olhos tristes. O animal lamenta por estar vivo, preferia não estar.

O bicho pede carinho, não gosta de estar sozinho e odeia quando o colocam no cantinho, fingindo bem-estar.

Sua presença assombra com os fantasmas do passado. De um passado que arrepia só de pensar em voltar, lamentos que outrora pareciam não acabar.

Todos fingem que não lembram, fazem tipo, ignoram. Mas o cachorro permanece ali. E ele lembra.

Um dia também se despedirá.