UMA PESSOA MORTA Hoje eu vi uma pessoa... Maíra F.
UMA PESSOA MORTA
Hoje eu vi uma pessoa morta. Não sei dizer o que houve, não assisti cena alguma. Não posso dizer qual era o nome dela, suas músicas preferidas ou o seu estado civil. Sobre ela eu não tenho nenhum som, a não ser o silêncio. Mas eu olhei, olhei para aquela direção, olhei logo no momento errado. Olhei e vi aquele corpo estendido, jogado, abandonado. Multidões ao redor faziam daquela tristeza um barulho ensurdecedor. Tantos e tantos olhares curiosos, cochichos, informações pulando de língua em língua... Enquanto o seu olhar, embora fosse o motivo da confusão, permanecia estático. Estático e preso. Preso ali dentro. Preso junto às dores e gritos e risadas que ela tinha por dentro até então. E agora todos juntos a sufocavam de uma forma muito mais dolorida do que as pessoas ao redor pudessem imaginar.
Eu não sabia o nome dela; continuo não sabendo. Podia ser Clara, Estela, Carolina, Clarice... Podia ser eu, você, a mãe de um amigo, uma ex-professora. Qualquer um ali, estendido no chão, perdido e parado. Completamente imóvel da forma mais desesperadora. Com o corpo coberto, transmitindo aos passantes uma paz falsa, enquanto seus pés extremamente brancos se deitavam no asfalto. Como se desistissem, como se enfraquecessem... E apareciam por fora do pano como quem pede socorro, com alguma espécie de esperança não conhecida por nós. Gelados, se chocando contra o asfalto quente, quase que implorando para serem soltos.
E eu passei, passei de carro. Olhei por alguns segundos enquanto todos os tipos de pensamento vinham à minha cabeça... Não parei, não quis saber, não perguntei o nome dela. Para ser sincera, eu não me importei. Preferi passar, fingir que não vi. Afinal, eu não conhecia seu gosto musical, seu estado civil, nem sequer sabia seu nome. Ela não era eu, você, a mãe de um amigo ou uma ex-professora. Era só alguém, alguém que ficou pelo meio do caminho. Era só uma pessoa morta.