Chove sem parar ao cair da noite, o... Rommy Santos de Araújo
Chove sem parar ao cair da noite, o vento orienta a chuva e faz às árvores dançarem num rítimo ordenado e viçoso, um frio intenso toma sua face, os raios caem com intensidade e parecem raízes que fincam constantemente energia sobre a terra.
O sono não vem, Ela encolhida no sofá da varanda enrolada no cobertor que ainda expelia a fragrância do último encontro, bebia o vinho que tinha o gosto do beijo daquele que se apoderou de seus pensamentos, por isso, bebia e saboreava gota a gota. A sensação de tê-lo perto às vezes parecia tão real, mas suas mãos tateavam um espaço vazio, em aflição, como se buscasse constantemente aquele a quem sua alma procura, podia senti-lo, mas não tocá-lo. Era quase verossímil a interação e a freqüência que esse contato lhe proporcionava, Ela percorria seus pensamentos tentando transportar sua mente para o passado, que a levara a reavaliar conceitos, adquirir comportamentos antes ausentes, imaginar novos sonhos e desistir ou adiar os velhos, sensações que preenchiam a sua vida com um misto de serenidade e turbulência.
Podia sentir seu espírito sorrir ao imaginar aquela expressão suave descrita por um leve sorriso, porque ele fazia transparecer nos seus lábios e no esverdido do seu olhar a terna alegria do instante. Sentia prazer ao ouvir o som da fala áspera e cava daquele homem e das palavras que eram entoadas por ele. Sentia-se impotente perante as suas carícias, lembrou-se de que ele possuía sobre ela todos os direitos, e isso já seria razão suficiente para viver plenamente esse momento tão maravilhoso, que a fazia feliz, seja como for, isso era para Ela um privilégio. Ela estava apaixonada.
De repente, o aroma embriagante daquele amor pairava no ar, misturava-se com o vento, com a energia brilhante dos raios, dançava como as árvores e molhava como a chuva, refrescando a brasa incandescente daquele amor e o desejo de mais uma vez tocar-lhe o corpo e sentir à amena, seca e agradável sensação de beijar-lhe a boca.
Lembrou-se do aroma e do calor que aquele corpo exalava, aumentando o desejo incontrolável, insaciável, de se transportar frequentemente para aquele desejo repleto de incertezas. Ela temia se tornar dependente daqueles braços, daquele corpo, daquela boca, daquela alma... e não conseguir mais exercer sobre seu corpo “o domínio”, e ao se entregar tornar-se-ia fraca e acabaria contando-lhe seus segredos mais íntimos, sussurrados com hesitação, confidências ecoadas em cada sussurro proferido, perdido no ar, indo de encontro ao vento e se espalhando, acalentando corações perdidos e inertes, que por medo de se entregar ao amor deixam de viver todos os dias como se fosse o último.
Imaginou os raios de sol entrando pela janela, tocando-lhe a face, em mais um despontar do horizonte, de um lado as mesmas sensações e o recente encontro de um amor, que existe, mas não pode ser tocado.
Sentia-o tão perto... que o cheiro constante de sua pele se sobrepõe a qualquer outro aroma que possa inalar e os seus beijos povoam os seus sonhos e não se esvaem quando desperta, porque é um sentimento penetrante, oculto e alimenta as suas lembranças no transcorrer do dia.
Lembrou-se do primeiro encontro, subitamente em meio a multidão surge aquele Ser, uma criatura que simplesmente brilhava, sua imagem ofuscava tudo a sua volta, seu coração começou a palpitar, Ela ficou inquieta, aflita, ansiosa, sensações que a deixaram perturbada, repentinamente, parou de ouvir o barulho das conversas paralelas, do som da música que entoava ao fundo, só conseguia ver aquele estranho.
Ela precisava de um motivo para se aproximar, e espantar qualquer pessoa que pudesse atrapalhar sua convicção. Refletiu por alguns instantes, intrepidamente levantou-se e seguiu em direção a aquele ser, dotado das chamadas qualidades viris, que para Ela era o seu grande e lídimo amor, até então, recôndito na imensidão do universo, perdido durante tantas vidas e que finalmente retornou.
Achegou-se, ao vê-lo tão perto perdeu o medo, pediu-lhe um cigarro, sua voz rouca com um leve sotaque, ecoou dentro dos seus ouvidos como uma melodia que nunca se esquece. Era um sentimento que só o espírito poderia perfazer, narrar. As palavras, os gestos, o comportamento, não possuem recursos suficientes para decifrar essa linguagem tão única, exclusiva. Seus pensamentos foram transportados à expectativa de um encontro acanhado, era como uma sucessão rítmica, ascendente ou descendente, de sons simples, a intervalos diferentes, cuja fascinação pela sonoridade do instante, tornava cúmplice toda a euforia que poderia inebriar esse engano dos sentidos, marcado pela ilusão de um grande acontecimento.
Deliciava-se com o devaneio daquele impulso, esperado, ambicionado, desejado, que fazia a parte limitada da matéria inflamar-se de anseio, uma sensação que tomou conta do seu corpo e do seu coração aquecendo-lhe a alma.
Cerrou os olhos, pode sentir ele se aproximar devagar, passando seus braços em torno da sua cintura, puxou-a contra seu corpo (sentiu seu coração latejar), curvou o pescoço e beijou-lhe a nuca, a orelha, o rosto, a boca, a alma... Dessa agitação profunda sentiu entremeada a respiração cansada e ofegante, imaginou-se possuída por uma divindade de personificação masculina, que representava para Ela, naquele momento, seu homem. Este era o verdadeiro amor, que despertava o abstrato e o concreto, até então adormecidos.
Por fim, sorriu ternamente, beijou-lhe a face e partiu...