Encontro com a lua A noite chegou... António Oliveira

Encontro com a lua

A noite chegou primeiro

Eu atrasei-me na chegada mas não no momento

A lua apanhou-me na rua quando vinha deixar os restos de mais um dia

Ofereceu-me a sua face rosada para um beijo fugidio e tímido

O cão do vizinho passeava o dono pela trela

A lua tentou acariciá-lo mas este, ladino, escusou tal afecto

Subimos em direcção ao céu até à sua morada, eu e a lua

Esta convidou-me para um chá

Ela conhece-me bem: eu gosto de chá

Partilhámos este enquanto o mundo se nos discorria numa tela celestial

Muitas vezes os sonhos de infância regressam no zénite da vida

Porque não deixar tudo e segui-los incondicionalmente?

A última estrela apagou-se e a casa ficou na penumbra

A lua acariciou-me subtilmente por entre as nuvens que nos aqueciam

O seu rosto aproximou-se exitante

Lábios nos lábios, aconteceu, a lua brilhou

Afagou-me a escuridão com a sua doce luz

Senti-me iluminar por dentro

Vislumbrei o reflexo do meu brilho no seu rosto

No seu inspirar profundo consegui ver para lá dos seus olhos fechados

Fechei os meus também e, por momentos, perdi-me no vácuo colorido da noite

Assim ficámos até que o sono nos invadiu

Separámo-nos no sono restaurador e velado

Eu, embalado pelo ósculo carinhoso, adormeci

A aurora despontou silenciosa

Através da vidraça de ar puro saudei-a comovido

A lua reapareceu pela porta entreaberta

Sentou-se a meu lado, discreta

Ficámos a olhar a aurora, calados entre sorrisos

Por fim, serviu-me uma leve refeição e despediu-me

O último beijo, breve, apressou a minha descida à terra

Um novo dia nascia