O PRÊMIO Quando viu o cliente... Fábio de Oliveira Ribeiro

O PRÊMIO


Quando viu o cliente ultrapassar o umbral da porta o advogado fechou os olhos, imaginou o lucro que teria com a causa e soltou uma gargalhada gostosa. O fato é que já poderia considerar-se um homem rico. Tudo era uma questão de tempo, tempo... Porque o êxito era tão líquido quanto água, tão cristalino quanto diamante...
Fora contratado para entrar com um processo contra o governo alemão. Apesar de complexo, o caso era simples.
Pouco depois da primeira guerra mundial, o governo alemão fez uma campanha mundial de captação de recursos em ouro. Atraído pela taxa de juros dos títulos públicos alemães, um fazendeiro brasileiro vendeu duas de suas propriedades rurais e converteu o dinheiro em ouro. Com o metal adquiriu um título a ser resgatado pelo preço de vinte e dois quilos e duzentos e quarenta gramas de ouro em marcos devidamente acrescidos de juros. Quis o destino que o fazendeiro morresse antes do prazo do resgate do título. A segunda guerra mundial fez seus herdeiros imaginarem que não receberiam nada. O título acabou esquecido dentro de um cofre no sótão do casarão da família até ser achado por um neto do investidor, que foi quem procurou o causídico.
O título era bom, mas o processo foi demorado. O governo alemão teve que ser citado através de rogatória. Perdeu e recorreu. Perdeu novamente e recorreu novamente. Quando o STF deu ganho de causa para o autor o advogado deu uma festa. Vinte anos, três meses, 10 dias e treze horas depois de ter anotado na sua agenda que era um homem rico realizara-se a profecia. Agora era só executar o título, que deixara de ser público para passar a ser judicial. Algo que em tese o tornava mais certo do que nunca. E que devedor...
Mas os alemães não facilitaram. Não só não depositaram o montante devido, como também embargaram a execução. Alegavam que, como o título era expresso em marcos e durante o pós guerra a Alemanha havia maxidesvalorizado a moeda para equilibrar sua economia, alguns zeros deveriam ser retirados do título. O advogado contestou alegando que o que importava era a equivalência ouro/marco e ganhou na primeira instância. Ganhou também na segunda instância. Os alemães recorreram e, irritado, o advogado finalizou suas contra razões ironizando o destino da Alemanha. Perdera duas guerras na Europa e perderia três no Brasil.
Mas nem sempre os deuses ouvem os advogados. O fato é que Marte fez os juízes do STF a penderem a balança em favor dos bárbaros. Afinal, já haviam perdido duas guerras, não era justo que perdessem a terceira. Ao levantar o depósito do crédito do seu cliente, equivalente a mais ou menos 650 marcos, o advogado teve certeza de que era um homem rico. Afinal, nenhum outro brasileiro que tivesse imposto tantas derrotas à Alemanha recebera um prêmio tão magnificamente simbólico.
(autor: Fábio de Oliveira Ribeiro)