Um dia esqueci-me de olhar ao espelho.... Catarina Portela
Um dia esqueci-me de olhar ao espelho. Saí sem me ver, sem me enfrentar, sem sorrir e sem pensar.
Perdi-me nas horas e mergulhei sobre o que desejei, refutei o que sempre desprezei, e não sei se parei o tempo, ou se o tempo parou por mim.
Fechei-me no máximo silêncio, e não falei o que devia falar, e não ouvi o que todos ouviam, e não olhei para onde todos olhavam, e sem pretender, conhecia-me.
Nesse dia beijei quem queria beijar, amei quem queria amar, chorei no colo de quem queria chorar, soltei gargalhadas do um mundo banal, e sorri ao pôr de sol ancestral.
Gritei com quem queria gritar, tive o que sempre quis ter, procurei quem sempre quis procurar, e mesmo sem encontrar, me encontrei.
E cantei como me apeteceu, saltei do mar ao céu, apanhei o sol e cobri-o com um véu. Olhei as estrelas e fiz um colar delas.
Nessa noite brilhei sem ti, sorri sem te ver, amei sem te sentir, senti sem te olhar, voei sem te alcançar. E desejei-te sem te ter.
Da liberdade de agir, saiu um complexo de insuficiência. Quando tudo parecia ao alcance, e quando o mundo me pareceu insignificante, eu aclamava por mais. Pela restrição do coração, pelo espaço apertado da ilusão, pela luta dos sonhos e pelo sabor da conquista, pela dor da desilusão…
Sem conclusão plausível, sem resultado final desconhecia a realização.
Um dia em que a vida era tudo, e tudo era somente uma vida. Nesse dia nada foi sem te ter, nada fui sem a restrição do comum. E a liberdade perdeu-se quando não me reconheci, quando não tinha em mim, um aperto, uma dor, uma luta.
O dia em que tudo fui, não era nada.