Inabitável tantas formas possíveis,... André Lemour

Inabitável tantas formas possíveis, mas sou essa—justamente essa que dói. achei que era o cabelo, cortei. talvez o peito, então curvei a coluna, encolhi, escond... Frase de André Lemour.

Inabitável

tantas formas possíveis, mas sou essa—justamente essa que dói.
achei que era o cabelo, cortei.
talvez o peito, então curvei a coluna, encolhi, escondi.
talvez a roupa, mudei.
talvez a maneira como me movo, falo, existo.
mudei. mudei. mudei tudo que minhas mãos alcançaram.
mas meu rosto não esculpe sombras no espelho,
meus ombros não marcam presença no espaço.
não sou pedra, não sou aço.
sou frágil demais para ser quem desejo,
pequeno demais para ocupar o mundo como ele exige.
há marcas no meu corpo que não reconheço,
ausências que gritam na pele, no reflexo.
e que tipo de homem eu sou? um que luta para caber em si.
eu queria carregar isso com orgulho,
mas é um peso que me dobra, me afunda.

meu eu por dentro grita, se debate,
se agarra às grades da minha pele e implora—
onde está meu corpo?
onde está meu corpo?
onde está meu corpo?

me atraio por caras que nunca vão me ver inteiro.
sei do olhar que me mede, que me nega,
sei do que falta entre as minhas pernas
e de como isso faz de mim um quase, um nunca.
mas que culpa eu tenho?
vou realizar meus sonhos.
vou tocar o impossível.
mas no fim, ainda serei trans.
até o último segundo, até o último suspiro,
a palavra nunca me deixará.
mas,

por quê?

por quê?