⁠ode aos mortos; brindo-lhes as... Vinicius Rodrigues

⁠ode aos mortos; brindo-lhes as memórias de todos que se foram— fantasmas que habitam meu passado, bebendo minhas lágrimas como vinho. ao seu legado, aquilo que... Frase de Vinicius Rodrigues.

⁠ode aos mortos;


brindo-lhes
as memórias
de todos
que se foram—
fantasmas
que habitam
meu passado,
bebendo
minhas lágrimas
como vinho.

ao seu legado,
aquilo que foi
construído
e desmoronado:
ruínas
que carrego
no peito,
pedras
que nunca
viraram pão.

momentos únicos,
fincados
na carne da memória—
feridas,
sangrando
abertas,
como portas
que não levam
a lugar nenhum.

na infinitude do tempo,
restam os ossos,
no deserto da vida,
imensidão de areia
que enterro
perguntas
e ossos.

um brinde
aos que ficaram,
mas não estão
mais aqui:
espectros que
bebem meu vinho
e deixam
o copo vazio,
sussuram
promessas
que não
se cumprem,
como flores
que murcham
antes de nascer.

que seu jazigo
perpétuo
lapide
o futuro
daqueles
que morreram
em vida—
e que eu
seja
sua lápide
mais pesada,
um monumento
ao que nunca
foi dito.

um brinde
a mim:
o coração bate,
os ossos doem,
a alma seca
como um rio
que nunca
vai ao estuário,
arrastando
consigo
o que sobrou
de mim.

o legado póstumo
deixou um véu
de saudade
e pálidas
perguntas,
como lápides
sem nome
em um cemitério
esquecido.

a todos
que desfalecem,
letárgicos amigos:
desejo-lhes
saúde—a vida,
ou, ao menos,
um túmulo
onde eu também
possa descansar,
enquanto o tempo
nos devora
a todos.