o vão entre o peito e a garganta;... Vinicius Rodrigues
o vão entre o peito e a garganta;
alguém me chama,
me convida, me promete,
mas não vem.
fico só,
um som sem parede pra rebater,
um grito que se perde
no vácuo do meu peito.
engasgo-me em culpas velhas,
restos de um banquete apodrecido
que nunca saciou.
bebo veneno cibernético,
enquanto a autofagia dopaminérgica
me devora por dentro.
tristeza redonda,
uma esfera que rola e nunca para,
esmagando tudo que tento construir.
vejo as mentiras de quem amo
e as aceito como cicatrizes minhas.
minha coleção de insetos:
baratas, besouros, artrópodes,
rastejam sobre meu rosto,
e eu os deixo ficar.
são meus.
cicatrizes que não mostro,
feridas que não saram.
no escuro, sussurro:
"quem sou eu quando ninguém me vê?"
uma sombra que se desfaz,
um grito que não ressoa,
um fio de voz que se perde
no vão entre o peito e a garganta.
canso de sair e não me encontrar.
queria ter alguém do meu lado,
mas perdi todos que estavam comigo.
agora sou cinzas num chão velho,
esperando o vento
que nunca chega.
na esquina de um pensamento esquecido,
alguém me chama, mas não sou eu.
a sombra que responde tem meu nome,
mas não me reconhece no vidro embaçado.
sou um estranho
com a minha própria voz.
o vento me leva pra longe,
mas minha consciência me prende aqui.
um nó de vísceras expostas,
sangrando o que nunca soube nomear —
e no fim, só restam
as perguntas que nunca fiz,
e o silêncio que ouvi.
sou um abraço que nunca se completa,
uma carta que nunca foi lida.
minha existência é um telefone que não toca,
uma mensagem que nunca foi respondida.
sou um prato que nunca foi servido,
um nome que ninguém pronuncia.
sou um quarto vazio,
uma cama desarrumada,
a insônia.
um dia alguém pode entrar no quarto,
dobrar os lençóis,
limpar o pó das palavras esquecidas,
e encontrar meu nome escrito
na janela embaçada.
e então, talvez,
eu tenha existido.