A Palavra e o Silêncio Falo—e a... Nelson Rodrigues da Costa

A Palavra e o Silêncio
Falo—e a palavra corta o ar
como lâmina sem rosto,
como flecha sem alvo.
Quem a escuta? Quem a sente?
Quem lhe dá forma dentro do peito?
Dizê-las é rasgar o silêncio,
como quem fere a pele da água
e espera que o mundo responda.
Mas o mundo nem sempre escuta.
Ou escuta mal,
como um espelho partido
onde o rosto já não se reconhece.
Escrevo—e a tinta sangra no papel,
mas o que digo não é o que fica,
o que fica não é o que sou.
Entre mim e o outro há um abismo,
uma distância que a voz não vence,
um eco que se perde na sombra.
Às vezes são lâminas,
abrem sulcos na carne do tempo,
fazem sangrar quem as ouve.
Outras vezes, são leves demais,
tocam, mas não ficam,
morrem antes de nascer.
Quisera eu que a palavra fosse ponte,
mas tantas vezes é muro,
ferro, pedra, ruína.
Tantas vezes, o que fere não é o grito,
mas o silêncio depois dele,
o vazio onde o sentido se afoga.
E no entanto, insisto.
Porque dizer é resistir à solidão,
é lutar contra o escuro do não-entendimento,
é desafiar a noite com um nome,
mesmo que ninguém o repita.