⁠A Faroleira Sim, muitos anos se... Juliana Passetti

⁠A Faroleira Sim, muitos anos se passaram na verdade, A tinta desgastada na parte de fora já entregam sua idade, O farol que um dia muitos avistaram. Hoje vive ... Frase de Juliana Passetti.

⁠A Faroleira

Sim, muitos anos se passaram na verdade,
A tinta desgastada na parte de fora já entregam sua idade,
O farol que um dia muitos avistaram.
Hoje vive sozinho em sua soturnidade.

Seria estranho não admitir que conheceu a tantos,
Inverdade dizer que não amou a certos,
Desalento em saber que não restou um para ouvir seus prantos.

Ficou apenas a triste versão desse monumento,
Abandonado sem esperança, na tragédia de seu momento.

Sua luz outrora brilhante de objetivo incumbido,
Hoje pisca fracamente arritimada, como o bater de um coração partido.

Por dentro dele, há um chão de madeira ruído,
Aranhas e pó dividindo espaço com os ratos que ali haviam nascido.
Do ranger das portas, às dobradiças gastas,
Ouvia-se o lamento da mobília, em meio a suas partes nefastas.
Paredes com mofo, goteiras sem fim,
"- Isso foi tudo o que restou de mim".

Subindo pela escada caracol,
Cada andar que passo me lembra,
Aquele dia olhando o céu, cheiro da terra e daquela música lenta.
Subo e subo e a visão vai se enturvando,
Trovões, ventanias e o belo vai se deteriorando.
Nos quadros na parede, vejo as lembranças de quando o mundo era um todo.
Em traços apagados pelo tempo, como se a cor deles agora fosse um incomodo.

Ao chegar no último andar,
Uma dor me acomete de repente e fico sem ar.
Lá está ela, uma fraca luz a piscar.
O esforço para se manter acesa é quase um pedido,
"- Desligue-me da força, não se preocupe comigo!"
Choro ao ver aquela cena,
E ao mesmo tempo, tento entender seu dilema.

Ao olhar pro chão eu vejo as marcas de pegadas,
- Então foi pra cá que trouxeste suas histórias frustradas?

As marcas nos contam essa história passada:

A primeira era marcas pequenas, mas com passo pesado,
Tão funda no chão que mostra os muitos anos que ali haviam ficado.
Mas foi-se em uma terça levando apenas um farnel,
Sem “oi” e nem “tchau” deixando apenas um anel.

Depois mais uma, na entrada posso ver uma pegada inteira sem viés,
Mas com passadas à frente sumiu a metade,
Como um segredo em fuga na ponta dos pés.
Foi-se embora levando suas garrafas, suas mentiras e sua paixão pelas ralés.

A terceira foi passageira,
Marcas de salto, que dançaram ao redor de toda centelha.
Foi-se o fim da dança até a saída,
Pois não era ao farol que pertencia seu amor, apenas sua despedida.

Lágrimas quentes desceram pela minha face,
- Abandonaram-te mais uma vez,
- Sem ao menos lhe perguntar, se doía esse desgaste.
Fiz o que pude para a manter acesa,
Chamei a todos para que pudessem apreciar sua verdadeira beleza.

Bati pregos em suas paredes furadas,
Arranquei os quadros das escadas,
E limpei todas aquelas marcas de pegadas.

Mas você ainda batia descompassado,
Sufocando a dor de uma vida de luta e amor,
Mas que agora estava muito cansado.

Me apoiei em sua janela olhando para o mar,
"- Como faremos agora para você voltar a iluminar?"
Eu rezo? Eu choro? Te dou esperanças a sonhar?
A voz fraca invade o espaço,
"- Olhe novamente, e verás quem vem lá."

Acatando a seu pedido então eu vejo logo à frente,
Barcos e mais barcos remando contra a corrente.

"- Eles esperam a brecha para poder passar,
Atracam aqui, dizem-me que comigo é que querem ficar
- Abro as portas e os convido a entrar.
- Os vejo sorrir e agradecer,
- Comem, bebem e longas histórias me prometem trazer.
- Vos ensino sobre a vida, o céu, a terra e toda estrela que brilha,
- E eles dormem tranquilos, sabendo que mais nada de ruim os afligiria.
- Passam dias e noites e tudo muda,
- O mundo se inverte, e o que era Sol agora se torna Lua.
- Vos estranho pelo incomodo que sentem,
- Destroem meus móveis, riscam meu chão e esburacam minhas paredes.
- Com dor os questiono:
- Porque ficas se lhe causo tanto incomodo?
- E sem justificativas, me culpam pelas suas vidas perdidas,
- Partem sempre daqui aos risos enquanto eu nada compreendia.
- Essa porta não abrirei novamente,
- Seja noite ou dia, não acolherei mais um displicente."

Ao ouvir suas palavras, me calo.
Agora entendo a dor que tens passado.
Só restou a mim consertar tudo que havia sido quebrado,
Como hei de abandonar algo tão puro e abandonado?

- Por favor não se apague agora,
- Aqui estou por você e não hei de ir embora.
- Dessa porta ninguém passará até verem em ti a luz que tens a iluminar.
Aqui fico como sua guardiã,
Vou cuidar de ti, do anoitecer até o raiar de cada manhã.

Então a luz pisca para mim e eu entendo,
Ainda não é o fim,
E só o começo de mais um momento.