A REVOLUÇÃO DIGITAL NA TRAMA... José D'Assunção Barros
A REVOLUÇÃO DIGITAL NA TRAMA POLIFÔNICA DAS GRANDES REVOLIÇÕES TECNOLÓGICAS
.
.
“A Revolução Digital se apresenta como uma nova melodia na grande polifonia das revoluções transversais que afetaram de maneira generalizada a civilização planetária (a Revolução Agrícola, a Revolução Urbana, as duas Revoluções Industriais, e, por fim, a Revolução Digital). O principal invento que possibilita a eclosão da Revolução Digital em meados dos anos 1990 – na verdade, um invento ainda elétrico e industrial – é o computador. Mas o nível científico que a torna efetivamente possível é o da mecânica quântica, uma vez que, sem essa, não teria sido possível o vasto e extraordinário conjunto de tecnologias proporcionado pela microeletrônica, o que inclui tanto o aprimoramento dos computadores de uso pessoal como uma extensa gama de novos dispositivos eletrodomésticos, sem contar os relacionados à telefonia celular (aspecto indispensável para a nova sociedade digital).
.
De fato, a mecânica quântica permitiu que as versões industriais de diversos aparelhos – como os rádios, as primeiras TVs e os próprios computadores – fossem aprimoradas em direções surpreendentes, e que seu peso e tamanho se reduzisse cada vez mais, especialmente no caso dos computadores. O dispositivo básico utilizado nas primeiras TVs, por exemplo, eram as válvulas. Da mesma forma, os primeiros computadores, como o ENIAC, também funcionavam à base de válvulas e pesavam de 20 a 30 toneladas. Então surgiram os transistores, que exerciam a mesma função das válvulas com um tamanho bem menor e sem o inconveniente de esquentarem tão rapidamente. Logo foram desenvolvidos chips que passaram a conter centenas ou mesmo milhares de transistores. Os microprocessadores comerciais começam a surgir a partir da década de 1970 e, na década de 1980, são aprimorados a tal ponto que permitem o surgimento e aperfeiçoamento dos computadores pessoais – fáceis de carregar e com capacidade invejável para desempenhar uma multiplicidade de funções. Nos anos 1990 estes se disseminam ao se tornarem acessíveis a faixas mais amplas da população. Retomaremos, em um item posterior (I-4), os esclarecimentos sobre a passagem dos grandes computadores típicos do auge da Era Industrial para os computadores que prenunciam a revolução digital. Mas por ora queremos destacar que foi a mecânica quântica – com sua nova compreensão sobre o movimento dos fótons e elétrons – que permitiu a criação do primeiro transistor e todos os seus desenvolvimentos posteriores.
.
A própria tecnologia de emissão e recepção de sinais por satélites – que torna possível a interconexão necessária aos celulares e eleva a interconexão de computadores a um novo nível, já que não mais dependente da fiação telefônica fixa e tradicional – é decorrente da física quântica e da compreensão do elétron simultaneamente como partícula e como onda probabilística. Ao lado disto, o outro alicerce de compreensão científica necessário à tecnologia de interconexões através de satélites é o da Teoria da Relatividade Geral da Einstein (1915). Esta teoria geométrica da gravitação aprimorou a compreensão de que não existe um tempo único e absoluto, mas sim diversos tempos locais interferidos pela velocidade e posição de cada objeto, sendo esta última afetada pelos efeitos da gravidade. Para a transmissão de sinais via satélite, o cálculo de uma posição de transmissão ou recepção na Terra acarretaria erros de muitos quilômetros se fossem ignoradas as previsões da relatividade geral com relação às variações e distorções de cada tempo local em função da velocidade e da altura do objeto conectado, o que inviabilizaria a eficácia da comunicação da telefonia celular, os sistemas de navegação de alta precisão, e o sistema de localização GPS. Com estes e outros exemplos importantes que poderiam ser dados, pode-se dizer que a revolução digital torna-se possível a partir do nível de conhecimento atingido por duas revoluções científicas paralelas, e ainda não unificadas: a física quântica e a física relativística”
.
.
[BARROS, José D’Assunção (org.). História Digital. Petrópolis: Editora Vozes, 2022. p.27-28].