Substituível Não importa o sangue,... Luiza_Grochvicz

Substituível
Não importa o sangue,
nem o nome em comum,
nem as memórias que, um dia,
foram infância sob o mesmo sol.
Importa a roupa certa,
as palavras decoradas,
o sorriso ensaiado diante do altar.
Eles não disfarçam,
não fingem sequer o laço.
Trocariam o sangue por uma oração
e o abraço por um “amém”.
Um desconhecido basta.
Desde que curve a cabeça,
desde que repita a crença,
desde que não questione.
Sou descartável porque penso,
sou invisível porque não ajo igual,
sou esquecida porque não finjo fé.
E eles preferem os novos fiéis —
recém-chegados e inquestionáveis —
aos que cresceram ao lado
mas escolheram um caminho diferente.
Talvez nunca tenha sido sobre amor.
Talvez sempre tenha sido sobre controle.
E eu, que não sigo a trilha deles,
viro sombra,
viro erro,
viro ausência desejada.
E ainda sorriem,
como se o abandono fosse justiça,
como se amar quem é igual
os tornasse melhores.
Mas se um dia faltarem todos,
ainda lembrarão de mim?
Ou continuarão chamando de “família”
aqueles que só conhecem
a máscara que eles mesmos exigem?