A História Não Contada O vento... Eli Odara Theodoro

A História Não Contada
O vento soprava forte sobre as águas revoltas. No horizonte, o sol se punha, tingindo o céu de vermelho, como se sangrasse em despedida. Nos porões escuros do navio, o ar era denso, pesado, misturado ao cheiro da madeira úmida e dos corpos amontoados.
Ali, entre as sombras, estavam aqueles que tiveram suas vidas arrancadas à força. Eram reis, guerreiros, mães e filhos, agora reduzidos a mercadoria. As correntes marcavam seus tornozelos, mas não podiam acorrentar suas memórias.
Dentre eles, um jovem chamado Obafemi mantinha os olhos fixos na pequena fresta de luz que entrava entre as tábuas. Ele não conhecia aquele mar, mas sabia que, além dele, havia uma terra desconhecida — e um destino cruel à espera.
— Meu filho… — sussurrou uma mulher ao seu lado. Era Iyalá, uma anciã que carregava no olhar o peso de muitas luas. — Se não podemos mudar o caminho, que o caminho não nos mude.
Obafemi não respondeu, mas apertou os punhos. Seu coração queimava com a dor de sua gente.
Alguns, em silêncio, decidiram que não seguiriam viagem. Preferiram entregar-se ao mar, nas mãos de Iemanjá, do que viver sob o domínio do inimigo. Obafemi os viu partir, um a um, dissolvendo-se nas ondas, e por um instante, pensou em fazer o mesmo.
Mas não fez.
O navio atracou dias depois. Os que restaram foram levados à força, empurrados para um mundo onde seriam vistos apenas como mãos para o trabalho, como corpos para o lucro. Chicotes cortaram sua pele, línguas estranhas tentaram roubar sua identidade. Mas dentro deles, a chama não se apagava.
O tempo passou. Obafemi sobreviveu. Seu nome foi mudado, sua voz abafada, mas ele nunca esqueceu quem era. Aprendeu a resistir, a lutar sem armas, a falar sem palavras. Seus filhos herdaram sua força, seus netos contaram sua história, e mesmo quando tentaram apagá-lo da memória do mundo, ele permaneceu.
Pois um povo pode ser acorrentado, mas sua essência jamais será escravizada.