O LOBO E A LUA.. A Lua, de tão bela,... BARROS, José D'Assunção
O LOBO E A LUA
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A Lua, de tão bela,
luminosa e clara,
entristece o lobo,
que por isso chora
seus uivos na madrugada.
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Uiva a melancolia
que emana da consciência
de se saber irremediavelmente distante
do resplandecente objeto amado.
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Uiva porque sabe que a Lua é inatingível
e que seus clamores por ela
sequer serão ouvidos.
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Uiva porque é da natureza da Lua
ignorar o Lobo,
que, no entanto, a ama.
(e é precisamente este amor
que lhe arde
como uma chama).
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Até hoje não se explica
porque o Lobo entoa
tão solitário e doloroso canto...
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? Mas será mesmo um canto
esse que, vertido em vento,
percorre a madrugada
sem nunca atingir destino,
– sem consumar momento –,
e que, profundamente triste,
não se define, contudo, em pranto?
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? Será mesmo um canto
esta ponta de sabre branco
que, ao invadi-las por dentro,
corta as almas em dois instantes?
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Ou quem sabe este uivo, que nos assombra,
será mesmo um grito...
desses que, do alto de uma ponte,
e de dentro de um quadro
(sem precisar de som),
estende-se ao infinito?
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? Mas como será um grito
esse que todas as noites se repete
insistente como um rito?
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? Não será então uma senha
oculta em Lobo,
para que todos saibam
do seu devotado amor
por tão irresistível objeto
– por esta eterna fonte
luminosa de desencanto?
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Canto, grito ou senha
(pranto, rito ou chama),
não é o Lobo que faz o uivo,
mas é o uivo que faz o Lobo;
e quem faz o uivo é a magia
que lhe revolve o oceano
(a mesma que, na maré que dentro mexe,
o coração lhe deixa insano).
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Mas se o Lobo se transfigura
na dor, que é seu próprio canto,
a Lua permanece a mesma:
branca, perene, eterna
– amada em seu congelado encanto.
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Há de pairar como um poema
sobre os mares que então remexe,
sobre os amores que não governa
– lado escuro do seu mistério –,
sobre os lobos que lhe pressentem.
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Enquanto isso os cientistas a observam;
os astronautas pousam nas suas montanhas.
Percorrem as suas crateras
– a Lua se faz notícia –.
Guardam amostras do seu branco:
invadem seu doce ventre,
conquistam-lhe as entranhas.
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Depois se vão, saciados,
singrando os sete céus,
sem saber que sequer tocaram
sua alma de sete véus.
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Somente o Lobo talvez entenda
seus mais íntimos segredos
e a natureza do seu branco.
Mas prossegue, noturno e triste,
sem que saibam por quem chama.
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Aqui, do meu confortável canto,
cresce a vontade de sair à floresta
para me solidarizar com o Lobo:
Amigo, eu o compreendo!
Também eu tenho a minha Lua
por quem sonho e por quem canto...
Também eu sei que nunca atingirei
seu tão precioso encanto.
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E, no segredo deste instante,
eu e o Lobo somos irmãos
de todos os que amam.
A mesma floresta, o mesmo oceano,
formam este amor que agora arde
e que nos corta como uma chama.
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Eterna Amada,
de tão bela,
luminosa e clara,
você me entristece...
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[BARROS, José D'Assunção. Publicado em Letras Raras, vol.11, nª1, 2022]