Ascenção Trópico racial. Estamos... Ludwick Bolach
Ascenção Trópico racial.
Estamos em 2045. O comício acontecerá em poucos minutos. Alguns conseguem perceber as semelhanças do que ocorre com a tomada de poder pelos nazistas.
Ruas repletas de bandeiras do partido, vestimentas e cumprimentos padronizados pelos líderes. Mesmas cores se repetem transformando o ambiente em um mar ideológico. Rostos raivosos, ansiosos, dispostos a qualquer coisa para tomar o poder e realizar a limpeza racial.
Todos aguardam a chegada do Grande líder que discursará, ainda mais por ser a véspera da eleição.
Entre conversas e sussurros, todos sabem o que se deseja.
-Deveríamos ter feito isso antes! Esses imundos nos obrigaram a misturar nossa raça pura com a deles, já passou da hora de realizar essa limpeza! – diz uma senhora, com seu corpo já encurvado pela idade. A moça que escuta apenas concorda, lamentando o passado.
Outros em grupos apenas repetem frases de efeito de aceitação em geral, ”teremos o que é nosso por direito”; “devemos eliminar a oposição o quanto antes”; “chega de deixar eles tomarem o que é nosso por direito”; “eles são parasitas que sugam o fruto de nosso suor”...
Porém todos entram em euforia quando enxergam ao longe um carro se aproximando de forma lenta, cercado por membros do partido vestidos com suas cores, todos armados para proteger aquele que realizará a grande mudança, a grande limpeza racial.
O carro para em frente a um caminho que leva ao palanque, caminho por onde o Líder realizará sua passagem triunfal antes de discursar para as 700 mil pessoas presentes. A imprensa se encontra em peso, aguardando para transmitir aos milhões de espectadores as palavras duras, firmes e concisas que entregam o que o coração do povo deseja. Muitos líderes políticos, nacionais e internacionais, se encontram em lugar de honra no palanque.
A porta do carro se abre. Na sua direção crianças saem da multidão correndo para saudar o Grande Líder, este que sorri enquanto acaricia os cabelos destes jovens uniformizados, quase fardados com os símbolos do partido. Todos o saúdam enquanto gritam seu nome.
Nos televisores e aparelhos de celular, a transmissão ao vivo conta com a locução animada e partidária do jornalista:
-Senhoras e senhores, o Grande Líder chegou ao local de discurso. A multidão o cumprimenta, crianças correm para recebê-lo. Enquanto caminha em direção ao palco, com o usual colete a prova de bala que passou a usar após o atentado, chama a atenção as flores jogadas em sua direção. Praticamente caminha sobre rosas rumo ao palanque. Veja isso! Ele parou para conversar com um senhor de idade, essa é uma marca característica dele, carismático e amável...
-Realmente (diz outro jornalista durante a transmissão), até por isso ele tem 87% das intenções de voto, já está praticamente eleito. Sinceramente, a votação será apenas mera formalidade. Já está em frente ao microfone, vamos ouvir seu discurso.
O Grande Líder para em frente ao microfone, sem papeis com discursos prontos, altivo e concentrado. Ele olha para o público, como se conseguisse fitar cada uma das milhares de pessoas que ali estão. Ajeita o microfone e inicia sua fala:
-Hoje poderia ser um dia comum como outro qualquer. Nosso povo, nossa raça, ainda poderia se encontrar presa nas correntes da escravidão que nos foi imposta. Não mais! Não continuaremos a aceitar que o fruto de nosso trabalho, nosso suor, literalmente nosso sangue seja derramado enquanto eles ficam com todos os frutos!
O grito da multidão se abafa em meio a palmas a assovios contentes e esperançosos. Com muita raiva em sua voz o grande líder prossegue:
-Nunca mais sobre essa terra passaremos por isso. Custe o que custar, haverá a mudança necessária. Eu entrego minha vida a vocês para que juntos mudemos o destino de nosso país e de nossas vidas!
O jornalista comenta rapidamente durante a transmissão:
-O público está eufórico, vocês que não estão aqui não sentem, mas o chão está tremendo com os saltos dos eleitores...
O Grande líder levanta sua mão e acena para o público, como se agradecesse o apoio, os gritos. Ele prossegue:
-Nos tiraram nossas terras! Nos trouxeram em porões de navios imundos para trabalharmos como animais, apenas para que eles aproveitassem suas vidas no luxo e no conforto que nosso sofrimento proporcionava. Nos obrigaram a nos misturar com essa raça imunda, fazendo com que nossa pureza fosse dissolvida, tudo para nos enfraquecer. Não mais! Haverá vingança!
Em meio ao público, algumas pessoas que não poderiam ser consideradas puras pelo partido trocam a gigantesca euforia que estavam sentindo por um rosto confuso, perdido, sem entender direito o que está acontecendo. O discurso prossegue:
-Não mais nos enganaremos com falsas ajudas, desses que no fundo querem que sejamos escravos eternamente! Iremos realizar a limpeza final e jamais esses brancos malditos tomaram o que é nosso por direito! O mundo será negro, para os negros e apenas negro!
Enquanto diz isso, lentamente algumas pessoas brancas começam a se retirar cabisbaixas, confusas, como se não acreditassem no que estavam escutando. Enquanto se retiram, vários tumultos começam a acontecer em meio ao público. Começam a expulsar com violência os brancos do comício, com empurrões, xingamentos, cuspes e humilhações. Alguns que reagem ao invés de fugir são espancados até o fim de suas forças. Alguns negros, amigos desses que estão sendo expulsos, tentam conter e amenizar a violência, porém se dobram diante da multidão e assistem contemplativamente toda à situação, concordando no fundo de sua alma com o que está acontecendo.
Após alguns minutos incentivando o povo a agir para atingir seus objetivos, o Grande líder encerra seu discurso da seguinte maneira:
-Nossa raça sobreviveu ao que há de mais brutal na humanidade e agora é a hora de tomarmos o poder e colocar nossa raça superior em seu devido lugar!
Levantando seu punho direito fechado ele termina de forma enfática dizendo:
Viva aos panteras negras, viva ao movimento negro, viva a nós!
E o público repete seus movimentos e palavras, alguns chorando emocionados, outros animados com a esperança de mudança.
Um dos repórteres que é branco diz:
-Não entendi...Ele proferiu seu discurso...pelo o que eu entendi...fale para mim o que você achou desse discurso...
O outro jornalista, negro, responde:
-Bem... pelo que eu entendi... pelo que eu entendi será melhor você deixar o país o quanto antes parceiro.