ÁRVORE LÁ FORA Mais um dia em que... Arthur Lima
ÁRVORE LÁ FORA
Mais um dia em que procurei ser útil. Como todos os dias, tento não ser um nada, mas sempre me cobro demais. Esse negócio de não se preocupar com as coisas, sei lá. Não se preocupar é impossível e realmente difícil de controlar.
Mas, pensando bem, não são essas coisas que me fazem sentir vivo. Sinto que consigo me sentir bem, então as preocupações são inúteis.
Hoje procurei me concentrar nisso, e como sempre, não consigo evitar os quinze minutos iniciais de autorreflexão, como um ritual de sobrevivência, um medicamento intrínseco que regenera o estresse dos primeiros minutos da manhã.
Sentado à mesa da cozinha, ou melhor, na cadeira junto à mesa (porque ninguém senta em mesas), sempre vejo uma árvore da vizinhança. A visão dela é tão bonita que me recuso a não olhar o horizonte ao meu redor. Essa árvore fica entre meus olhos e o Sol; é um prazer vê-la todos os dias.
É incrível pensar que esse horizonte diário faz com que meus problemas desapareçam por alguns instantes. É uma linha que só eu consigo ver, porque é isso que me acalma, e se me acalma, é para essa direção que eu quero olhar. Não parece muito, mas o que mais poderia ser? Todo mundo tem árvores aqui e ali. E muitas casas têm quintais. Não preciso fazer muito para sentir isso.
Nesse devaneio, vejo rostos, ouço sons e sorrisos. Vejo também altura (porque olho para o horizonte) e profundidade. Alguns instantes de muita nostalgia, outros de momentos em que gostaria de ter dito mais coisas. E se eu pudesse expandir isso cada vez mais? Com certeza faria!
Então começo a me programar enquanto a chuva faz o topo da árvore balançar e simultaneamente o Sol sobe entre as nuvens. Ah, como consigo pensar nisso enquanto chove, como consigo sentir tudo isso com tempo nublado? Quem inventou que um dia nublado não é bonito? Não é verdade que o dia só pode ser nublado se houver Sol?
Em meio a isso, percebo que o Sol torna tudo belo, e como ele é bonito! Mas talvez eu precise me esforçar para ver e sentir outras coisas caso ele fique tímido como eu, e não queira mostrar seus raios.
Então é por isso que existe aquela árvore naquele ângulo pela manhã. Acho que deve ser por isso que alguns gostam de chuva, gotas d'água e janelas embaçadas. É uma alternativa e um remédio para o caos interno, talvez seja mesmo.
Assim, o desassossego das preocupações fica em segundo plano. Porque mesmo sem muito Sol, existem outras coisas que podem me manter vivo, aquecido, olhando para a chuva sem me molhar.
Tenho que guardar isso, assim poderei usar sempre que quiser. Por isso, sinto muito, lembro muito, vejo muito, recordo muito.
Gosto de ver as pessoas todos os dias.