"Os maus, não conhecendo... Sidney Silveira
"Os maus, não conhecendo retamente a si mesmos, não podem verdadeiramente amar-se, pois amam o que pensam ser [e não o que são]".
SANTO TOMÁS DE AQUINO
("Suma Teológica", II-II, q. 25, art. 7)
Algumas premissas e corolários estão implicados no que diz Santo Tomás nesta passagem: (1) há nos maus uma desordem no conhecer e no querer; (2) os maus – a saber, os que ordinariamente não têm reta intenção no agir – estão sempre enredados nalgum tipo de auto-engano, julgando ser o que não são; (3) aos maus está vedada a felicidade, pois ninguém pode ser feliz em desacordo com os dados da realidade; (4) os maus se fazem cegos ao mundo superior dos valores, pois orbitam em torno de conveniências e interesses medíocres, tópicos, autocentrados.
Decerto todos nós carregamos zonas de sombra n'alma, no sentido de que nos conhecemos imperfeitamente. Porém o que está aqui em jogo é uma maldade mais decisiva, mais profunda que a do vulgo, um tipo de cegueira mental inviabilizador da pessoa humana. Como diz Garrigou-Lagrange, em seus solilóquios o egoísta elabora pensamentos errôneos a respeito de si mesmo e das demais pessoas, que o levam a uma trágica morte psíquica. Trata-se de um diálogo interior eivado de enganos e conducente à derrota existencial; daí podermos dizer que a tendência da maldade é retroalimentar-se, piorar com o tempo.**
O trecho aludido da "Suma" vai além, quando o Aquinate frisa que, por sua vez, os bons, conhecendo-se veramente a si mesmos ("boni autem vere cognoscentes seipsos") alcançam a região de interioridade distintiva da nossa humana condição. São profundos, têm reais dilemas, procuram melhorar os critérios de suas ações e escolhas, etc.
No decorrer da vida, o melhor que pode suceder a uma pessoa é ir alcançando aos poucos o estado habitual de veracidade, no qual pode contemplar a realidade com olhos de ver. Neste caso, o sujeito ama não o que pensa ser, mas o que é.
Sem isto não há bondade possível.
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** A maldade não é a caricatura dantesca que se costuma fazer dela. No homem, todo e qualquer distanciamento do amor implica distintos graus de maldade.
P. S. Numa circunstância como a que me encontro, triturado de maneiras diversas, vejo quão abençoado é ver com clareza os meus próprios desvios ao longo da vida, percebendo quantas vezes não fui tão bom quanto devia ser. E mais: é razoável supor que, se voltasse atrás, provavelmente cometeria os mesmos erros, por fraqueza.
O melhor, contudo, é saber que posso pedir a Deus a graça de vencer-me a mim mesmo".