Ascensão Eu jamais desejei a... Augusto Galia Fernandes
Ascensão
Eu jamais desejei a ascensão paradisíaca.
Mantive-me isoladamente no declive infernal.
Ao longo dos anos, arrojei-me nas nuvens.
Como um espectro, passei a sondar aos homens.
Descobri que enquanto uns mutilavam-se
Outros examinavam os céus em busca de salvação.
O suplício de um concebia a salvação de outro!
A cada revolutear havia uma alma padecente.
Lastimoso me declinei do heurético pedestal.
Esvoacei até ao inferno para salvá-los.
Já na terra: Cuidei das almas padecentes do universo.
Estendi os meus braços e lhes ofereci a salvação.
Mas não havia ninguém disposto a ser salvo.
Só encontrei feridas e revoltas em seus olhares.
Revoltas que encobrem as pútridas faces humanas.
Contei-lhes todas as minhas histórias inauditas!
Mistérios recônditos que a própria ciência desconhece.
Na minha literatura, a ciência não significa nada.
A minha única ciência é a de que ela em nada me serve.
Mas isso tudo foi há cem anos.
São lembranças dos meus versos arcaicos.
Do meu tinteiro inconsciente olvidado ao chão.
Eu, que há um tempo inumerável os venho acumulando.
Literatura de restos pútridos do meu passado.
Sarcófago fétido que esfossilizei na busca do enigmático.
Longínquos caminhos percorridos na soberba solidão!
Para um gênio visionário como eu: Não se há veredas.
Os caminhos de outrora foram ocupados pelos repugnantes pés humanos.
Então se um visionário for realista; os demais serão sonhadores?
E quem sou eu? – O filho pródigo da condenação?
O visionário da indolência das lembranças?
Um pusilânime a vangloriar-se dos ilusórios castelos!
Turrígero enobrecido à base de mentiras!
Logo eu, que outrora renegava a todas as mentiras.
A toda causa dá-se um nome.
Eu provei os maiores mistérios!
Hedonismos poéticos!
Palcos irrisórios
Libertinagens profanas.
Vinhos de excelentíssima qualidade!
Ópio ocidental.
Cachimbos estrangeiros.
Ervas tolhidas,
Haxixes caseiros
Todos os prazeres artificiais eu conheci.
Máxime Papaver, afável Somniferum.
Findado os prazeres, adestrei-me na compreensão dos homens.
Depois de tê-los compreendidos; – Instrui-me a odiá-los!
Os homens! Esta raça deplorável que conheço por completo.
Sou o grande mestre das descobertas do espírito humano.
Incansavelmente cruzei os portões do desconhecido.
Penetrei avante dos rochedos dos bosques da alma humana.
Os abismos ensangüentados dos homens são desagradáveis.
Jamais me descerá a máscara de forte!
Envergonhar-me-ia se vissem o meu rosto assemelhado ao deles.
Protejo-me com os espelhos cegos da humanidade!
As cordas espirituais precisam de novos exercícios.
O relógio eclesiástico diz-me unicamente às horas da escravidão.
Renego a toda escravidão de espírito.
O evangelho desregrou-se do altruísmo há milhares de anos.
Indolente! Encontro-me no mais frenético devaneio.
As minhas alucinações me fazem um homem agradável.
Mas o instinto faz com que o agradável seja rejeitado.
Sou um nefelibático inesgotável de concepções e vontades.
Transformo-me em corvo levípede com longos olhos.
Alífugo o suficiente para avistar a terra dos homens errantes.
Seca-me ao rosto lágrimas de toda uma geração.
Lágrimas que não são somente minhas.
Desarmo-me a favor do sacrilégio.
Tornei-me o grande senhor dos vermes.
São meus escravos: Mando-os e obedecem-me agora.
Limpo o meu corpo; minhas axilas estão limpas.
Defectíveis pensamentos.
- Aspirações tornam-se idéias reais.
Ó imaginações! Qual véu não encobre a face aos olhos humanos?
O cérebro tece; ébrio, inebrio! - A dança das palavras saltitantes.
A minha cólera conduz-me a admiração pelas formas.
Formas insolúveis são depressivas ao espírito criador. Jamais deformarei o nada.
Ao fim, parece-me tudo morto como sempre. Sanam formam uitae tenete!