Tinteiro decrépito Ah! Distância... Augusto Galia Fernandes
Tinteiro decrépito
Ah! Distância afamada das preocupações do mundo,
Calmaria sem consequências ou arrependimentos.
Estou assim, semelhante a um tinteiro velho; sem préstimo,
Tendo os outros a consumirem-me aos poucos,
A usarem-me de um lado e do outro.
Estou farto de ser um tinteiro velho.
Queria ser um tinteiro novo em forma de caneta.
Ou uma caneta nova em forma de tinteiro.
Ah! Coração; rabisca-me em um papel qualquer.
Por que não sou igual aos meus conhecidos?
Despreocupados e estúpidos.
Muito mais estúpidos do que despreocupados.
Quero esquecer e lembrar quando esquecer,
Dormir e esquecer o que é dormir.
Depois acordar e olhar ao lado e ainda estar ali,
Estúpido e despreocupado a tentar esquecer porque existo.
O que é existir senão sermos conscientes de que somos nós mesmos?
Eu não quero consciência alguma!
Nem comigo e nem com o mundo.
Quero estar inconsciente como um mendigo adormecido ao pé de mim,
que há muito se esqueceu da casa que viveu e dos que viveram com ele.
Quero relembrar do meu passado de sonhos e conquistas,
Marcando-o como restos de sonhos e conquistas.
Depois quero adormecer novamente e turbilhonar com o destino
Ao sonho de que entre ruas e calçadas me esqueceram.
E de que do fundo de um poço emergi em turbilhões.
Ah! Este monte de terra vermelha que sempre fui.
Por que em mim nunca se plantaram flores?
Estive sempre fértil no universo da minha consciência.
E sempre estéril na consciência defasada do mundo.
Como a qualquer mendigo, também não tive onde morar.
Tive na vida os cuidados opostos ao que merecia, por ser eu.
Por estar despreocupado à vida passou. Eu envelheci...
Hoje aos 21 anos tenho mais alma do que um senhor de oitenta.
Porque quanto mais eu vivo, mais eu deixo de viver, por dentro.
A vida me reservou, por covardia; um destino de preocupações.
Obrigou-me a fugir para um lugar de tintas e papeis.
Tendo sentado o destino ao pé de mim, junto ao mendigo.
Recordamo-nos de que ambos seguimos pela vida afora;
Conscientes de que em certa altura; teremos de virar.
E talvez por isto, o mundo todo se vire a favor de nós.