⁠CHORAR PELOS PECADOS DO MUNDO Tantas... Carlos de Castro

⁠CHORAR PELOS PECADOS DO MUNDO

Tantas lágrimas escorriam,
Como sangue fluindo, se esvaíam
Dos olhos dum puto sentado à beira de uma estrada
Na minha aldeia nordestina industrial safada.

Não, não era África, nem outro continente, nada...

Era no Portugal presente, pretérito e escuro.

Havia ali uma fronteira, sem muro.

Ah, nessa minha triste caminhada,
Vi também um velho a acariciar a estrada
Há tanto tempo por ele estudada
Para fugir a um presente sem futuro.

Cansado, sentei-me numa pedra da berma
Dessa estrada também minha de estaferma,
Para sentir as lágrimas do puto a chorar.

Quando meti o choro dele dentro de mim,
Inferi e senti com total e mística emoção,
Que quanto mais aquele puto chorava,
Mais eu, em dobro sentia enfim
Que o meu pobre e louco coração,
De ardor, de compaixão, rebentava.

(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever, em 21-08-2023)