Cinema mudo Ficarás emudecido e, se... Ivete Nenflidio
Cinema mudo
Ficarás emudecido e, se não falas,
terei que interpretar o silêncio,
investigando os trejeitos e o olhar.
Aguardarei, sui generis.
Ficarás quieto, desejando-me,
como o ramalhete de Astromélias
à espera da seda e do laço
Seguirás desejando-me,
como o mar à espera de torrentes flumes
e o solo à espera da mãe-d’água.
Seguirás desejando-me, como sementes
à espera da embriaguez dos céus,
como o campônio à espera da boa safra,
como um pobre garoto à espera da noite de Natal.
E nada mais importará.
Seremos ausência, o mortório que faz apagar,
momentaneamente, as tempestades
das evitáveis tragédias humanas:
o vírus, a fome, toda essa cólera, esse dia.
Não houvesse tantos medos,
resignadamente esperaria.
O breu taciturno findaria e a aurora carminada,
certamente, imperaria, e a sua voz terna,
finalmente, verteria como enxurrada
por todo o meu corpo,
mas não tenho tempo, o radicalismo,
o caos e o ódio imperam.