A PONTE.. Uma ponte amarela, abaulada... José D'Assunção Barros
A PONTE
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Uma ponte amarela,
abaulada sobre o rio...
Sem dizer palavra,
ela diz tudo, fio contra fio.
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Eloquente, fala-nos sobre os fluxos de gentes
a passar de um para o outro lado
do rio.
Mas também fala dos barcos
a lhe ditarem a forma:
profundo pacto
entre os homens e mulheres,
desejosos de passar por cima,
e os barcos e jangadas
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convocados a seguir por baixo.
Este curvar da ponte, humilde e quase sacro,
é a mais sutil forma do acordo
– o produto profano de um pacto –
entre todos os que queriam ir e vir:
seja na forma de passantes,
seja nos modos navegantes.
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Na Ponte – há mais – o olhar encontra
corrimãos que falam
dos que caíram n’água.
Dizem-nos alguma coisa sobre a desatenção,
sobre a imperícia,
sobre a brutalidade do empurrão.
Talvez, quem sabe,
escondam o comovente segredo de um suicida,
ou de um simples e alegre acenar de mão.
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Será, que a ponte, que liga as margens,
é também passagem
para o Outro Lado?
Será ela a cura
para a aflição?
Quantos ali deixaram seu último salto,
o derradeiro gesto
– o silêncio vivo que enfim precede
o calar eterno?
Quantos lá não abandonaram seu último grito mudo
estendido e tingido por sobre a ponte
Como se tudo... viesse de dentro de um quadro?
(E este quadro, ele mesmo atormentado,
não estaria preso à parede exposta
de alguma dimensão secreta?)
Eis que a ponte prossegue
nos dizendo tantas coisas
sobre o rio e sobre tudo.
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É amarela:
de um amarelo-berro...
Somente isso me escapa ao faro.
Porque não verde, vermelha – azul?
Como um sol estendido em linha,
ou o arco-íris de uma só cor,
ela permanece ali,
sem revelar o último dos seus mistérios:
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Uma ponte amarela
sobre o rio, sobre a vida.
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José D'Assunção Barros
[publicado na revista Opiniães, 2023]