E era exatamente igual ao Natal,... Míriam Morata
E era exatamente igual ao Natal, Páscoa, segunda-feira passada...
Rompe-se a coluna do Tempo e estamos suspensos. Todos os dias e noites são iguais, sem sonhos, metas, brincadeiras, só susto, medo, trocar fralda, lavar roupa, fazer curativo e chorar escondido.
O Alzheimer rasga o calendário.
Mas o calendário foi criado por humanos, fomos nós que dividimos o tempo em fatias, nós inventamos o tempo de celebrar e tempo de construir.
Então eu posso reinventar o calendário, isso faz parte do talento humano.
Hoje é domingo. Tempo de celebrar.
Embora tudo ao meu redor seja assustador, eu posso colocar música, posso trazer mamãe para almoçar na sala e enfeitar a mesa; posso oferecer sorvete de sobremesa e quem sabe, dizer para ela que hoje é seu aniversário e vamos cantar parabéns.
Hoje é domingo e eu posso pegar uma flor do jardim e colocar um vaso bonito ao lado da cama, e avisar que chegou a Primavera.
Hoje é domingo e eu posso cantar com ela aquela música, que cantávamos quando eu era criança e rir da nossa loucura lúcida.
E quando ela me perguntar:
- Que dia é hoje Mirinha?
Eu posso dizer, sem nenhuma censura:
- Hoje é dia de celebrarmos o milagre da Vida. O planeta todo está em festa, porque hoje é dia da dona Nena.
E vamos celebrar juntas, porque a imaginação é mais poderosa do que qualquer outro talento humano.