Caro amigo, eis um desabafo: Tu... William Estrela
Caro amigo, eis um desabafo:
Tu persistes em compartilhar os fardos de tua alma com os outros, e te recusas a repousar. Permita-me, pois, compartilhar contigo o fardo que pesa em meu coração.
É a constante luta entre a retidão e o equívoco, onde mesmo ao elucidar e exemplificar, sou relegado à posição do errante.
É o êxtase de um dia de júbilo, de música e convívio com amigos, apenas para me ver censurado quando a bebida embacia o som, um deleite transformado em desdém.
É a persistência em gravar o álbum da nossa banda desde 2009, mesmo quando alguns desistem de ensaiar, argumentando que a diversão é prioritária.
É a busca por dominar a arte da mixagem, ao solicitar as faixas de áudio gravadas, apenas para ser desencorajado por aqueles que uma vez me chamaram de amigo.
É ser rotulado de tolo, ingênuo, ridículo, enquanto paradoxalmente sou reconhecido como uma referência de inteligência, alegria e calma. A mesma pessoa que, invariavelmente, era convidada para qualquer empreendimento, enquanto estivesse bem.
É socorrer a madrinha de minha mãe em seu leito de morte, e ser proibido de tocar meu violão em sua homenagem, mesmo quando em seu último suspiro, a música seria uma bênção.
É estender a mão para todos que clamam por ajuda, e, quando eu mesmo necessito, receber apenas desculpas e esquivas, reservando a verdadeira ajuda apenas aos laços sanguíneos.
É ser rotulado como um ocioso, um parasita sem recursos, e até mesmo enfrentar tentativas de expulsão de meu próprio lar.
É acolher os necessitados em minha casa apenas para ver minhas panelas queimadas, minha pia suja, e meus próprios alimentos racionados em favor das crianças.
É lutar contra a escuridão da depressão, apenas para ser tachado de frágil.
É renunciar aos prazeres do açúcar em nome da saúde, apenas para ser apelidado de monstro.
É tentar surpreender aqueles ao meu redor, apenas para perceber que a bondade é vista como uma obrigação, não como um gesto genuíno.
É comprar com sacrifício o bolo tão desejado por semanas, apenas para vê-lo recusado.
Apesar de tudo, meu amigo, no recesso do meu ser, não há arrependimentos.