O GAVIÃO Pousava aqui como quem... Bruno Tolentino
O GAVIÃO
Pousava aqui como quem chega
pesaroso de alguma lousa,
de uma tumba qualquer; já não pousa
como certa mulher, a cega
que mendigava por aqui
quando eu era ainda noviça;
as primeiras vezes que o vi
lembrei-me dela e da carniça
que lhe davam, suas unhas duras
e sujas agarrando aquilo!
Onde andarás? Se nas alturas,
terá modificado o estilo
e provavelmente a ração;
senão… O gavião é o mesmo,
disso estou certa! Mas desde então
cresceu muito, já não voa a esmo
por aí, hoje arrebata a caça,
e quando mata chega de outro jeito,
com outro ar: pousa satisfeito,
é todo a máscara, a couraça
da arrogância! Dá-me raiva vê-lo,
prefiro o modelo anterior…
Como uma escultura de gelo,
esse de agora é ameaçador,
frio, irreal, o senhor das caçadas
traz o nada no bico e no porte:
não vem dos mortos, vem da morte!
Tinha antes só duas pegadas,
era solene como um cemitério;
hoje ele mesmo faz-se um e é oNão
que chega aqui com um ar estéril
e pousa desprezando o chão.