NATAL DOS TEMPOS Ele teve sempre... Carlos de Castro
NATAL DOS TEMPOS
Ele teve sempre aquela mania
Talvez até doentia,
Uma espécie de nostalgia,
Quase tara silenciosa
De vestir de cor de rosa,
O Natal da meninice.
E naquela sua tontice:
Saudade da lareira da avó,
As botas velhas engraxadas
Com cheiros a anilinas
No pial limpo do pó,
Simples, sem coisas finas,
À espera do Deus Menino.
Tudo era genuíno
Naquela noite de breu,
Duas meninas e eu...
Que a outra ainda não nasceu...
Noite longa em palha nova
Dos colchões de dormir
Na cama de ferro velhinha,
As fantasias à prova
Num sono que não quer vir.
Sonhavam aquele brinquedo
Ainda que fosse de pau,
Um barquinho ou uma nau,
Talvez uma bola de pano
Bonecas de faces rosadas,
Como as fadas.
Batiam as badaladas
Da primeira missa do dia,
Pé ante pé, em segredo,
Naquela manhã tão fria,
Lá vão eles ao pial...
Nas botas, algo ia mal,
Nenhum brinquedo de pau,
Somente um magro e fatal
Rabinho de bacalhau.
E até ficaram contentes,
Sem chorarem pelos presentes,
Que a vida é feita de nadas...
Restavam as rabanadas,
O que já não era mau.
(Carlos De Castro in Há Um Livro Por Escrever em 21-12-2023)